quarta-feira, 5 de abril de 2017

Òrìsà ÌRÒKÒ- entendendo as diferenças.


Iroko é um orixá de culto muito restrito e pouco compreendido, tal como Apaocá, o orixá da jaqueira, confundido com o Tat´etu Tempo do angola e o vodum Loko dos jejes.
A ele se sacrificam o bode, carneiro, galo e a conquém.
É um òrìsà do grupo dos òrìsàs funfun os quais são massas de movimentos lentos, serenos, de idade imemorial; dotados de um grande equilíbrio necessário para manter a relação econômica entre o que nasce e o que morre, entre o que é dado e o que deve ser devolvido, o que pode-se notar em diversos itòns de Iroko. Por isso mesmo estão
associados a justiça e ao equilibrio. Daí vem sua ligação à Òòsààlá e Sòngó.
No itón da criação do mundo, àiyé, Òòsààlá perde para Odùduwà a criação da terra, mas fica-lhe incubido a criação de todos seres que há na terra.
Para cada ser humano criado por Òòsààlá, este criou simultaneamente uma árvore, assim como para todas criaturas criadas. Os espíritos que residem em algumas árvores consideradas sagradas são chamados Ìwín.
Essas árvores sagradas, entre as quais particularmente foram escolhidas entre os iròkò, odán, àròabà, akòkó, igí-òpe, são paramentadas com uma tira de pano branco (òjá-funfun), atada em torno do tronco, que constitui o signo àlà dos funfun. Um dos oriki de Iròkò apóia a relação entre os òrìsà e as árvores:
Iròkò! Oluwéré, Ògìyán Èleìjú.
Ìròkò, árvore proeminente entre todas as outras, o Òrìsà-funfun (Ògìyán) do âmago da floresta.
As árvores estão associadas a ìgbá ìwà sè (o tempo quando a existência sobreveio) e numerosos mitos começam pela fórmula "numa época em que o homem adorava árvores..."
Os troncos e os ramos da árvores representam os ancestrais masculinos.
Lembremos que foi com o òpásóró que Òòsààlá diferenciou o òrun do àiyé, estabelecendo os dois niveis de existência, e furou o igí-òpe (a palmeira) e bebeu sua seiva. Foi essa ação violação de uma de suas proibições que o deixou sem forças, impotente. Como se ele bebesse seu próprio sangue, indicando assim que Obàtálà é parente consangüíneo da palmeira.
Outros orixás importantes na África e que também não se manifestam no corpo de iniciados foram igualmente menos considerado neste País que, por influência do kardecismo, atribui um valor muito especial ao transe. Foi o que aconteceu com Orunmilá, Odudua, Orixá-Ocô, Ajalá, além da Iyá-Mí-Osorongà. É interessante lembrar que o culto de Ossaim sofreu no Brasil grande mudança, passando o orixá das folhas a se manifestar no transe, o que o livrou certamente do esquecimento. 
O culto da árvore Iroco também se preservou entre nós, ainda que raramente, quando ganhou filhos e se manifestou em transe, sorte que não teve Apaocá.
São as entidades mais afastadas dos seres humanos e as mais perigosas, incorrer ao desagrado ou na irritação de tal òrìsà. Iròkò também esta ligado às Ìyá-mí, o poder das ajés (feiticeiras).
O culto às árvores compartilhou, em segundo lugar, a celebridade do culto às serpentes, por ter sido citado após ele, durante muito tempo, pelos primeiros viajantes, era o segundo culto em Ouidah, no Daomé. Uma das principais árvores cultuadas era Loko, que em si, não é uma árvore sagrada, apenas o sendo quando serve de assento a uma divindade. Seu nome no Daomé está sempre ligado ao do Vodun que lhe deu esse caráter. Existem lendas sobre Iròkò, sob cujo nome aparece está árvore: Adanloko, Atanloko, Léléloko, Lokozoun, etc.
Este deus é importante para a compreensão da religião daomeana, na medida em que oferece uma visão das inter-relações dos diversos cultos no Daomé. Entre as divindades do céu, Loko é encarregado de cuidar das árvores que se encontram na terra e suas funções são de tal modo significativas que ele tem como assistente seu jovem irmão,
Medje.
Aqui esta uma grande confusão que envolve a árvore Iroko; o òrìsà Ìròkò (Ketú- Yorubá), o Vodun Loko (Daomé- Jeje) e o Tat'etu Kitembu (Bantu- Angola).
O òrìsà Ìròkò (da Nação Ketú- Yorubá), seria a árvore sua própria manifestação (estado), porém nem todas árvores são divindades, somente quando consagradas, a mesma possui um òjá-funfun que representa sua ligação aos òrìsàs funfun, no Brasil fora substituída pela Gameleira Branca, árvore semelhante ao iroko africano; é um Òrìsà que esta relacionado ao tempo, a justiça, a Sóngò, Òòsààlá, Apaoká, Èsú e Ìyá-Mí. Para os iorubas, existe uma concepção de um deus que mora em uma árvore, e ao mesmo tempo outro deus mora no galho desta árvore, assim como outro deus pode habitar (ter sua energia) nas folhas desta árvore.
O vodun Loko (Nação Jeje- Daomé), é encarregado de cuidar das árvores que se encontram na terra e suas funções; e é representado pela árvore iroko.
Tat'etu Kitembu (Nação Angola- Bantu), é uma divindade também chamada no Brasil de Tempo, o senhor das trasformações o que guia o seu povo através da sua bandeira branca, assim todos, por longe que esteja pode se unir ao líder, por que o mastro da sua bandeira é tão alto que pode ser visto de qualquer lugar. O que não deixa os caçadores perdidos (pois os Nkisis são, em sua natureza primeira todos caçadores e guerreiros, pois assim a aldeia e seus descendentes estariam garantidos). Nesse ponto este Tat'etu Kitembu leva uma bandeira; o que fazem confusão em fazerem uma analogia do òjà-funfun do Òrìsà Ketú Ìròkò, e pelo ato da iniciação; enquanto Angola faz sua maiunga (banho) ao "pé" de Kitembu (que esta ligado a terra e é o Tat´etu patrono de Angola, lembrando que a água sobre a terra lembra a fecundação de algo que esta nascendo); a Nação Ketú também faz ato semelhante ao "pé" do Òrìsà Iròkò, pela sua ligação com o nascimento (ser o primeiro ser criado árvore) e a ligação dos òrìsà-funfun, ligados a fecundação.
Segundo nossa concepção a fitolatria africana na Bahia parece ter duplo sentido. A árvore pode ser um verdadeiro fetiche animado ou, ao contrário, mal representa a morada o altar de um santo. A gameleira branca (fícus religiosa), árvore abundante neste Estado, é o tipo da planta deus. Com o nome de Iroko é objeto de um culto fervoroso.
Orin Iroko (Esu)
Ero n ( i ) iroko ni nos
Calma que iroko ser produzindo
Iroko má so ele
Iroko não produzir força.
Ketú 
Oko ( o )yin má so ele erro, erro ni Iroko nos.
O dono do mel não pode provocar a calma que Iroko provoca.
Bom, espero ter contribuído e deixado claro as "diferenças". Em novos tópicos mostraremos um pouco de cada um desses òrìsà, Tat´etu e Vodun para que fique bem notório a diferença dos cultos; pois como já falei em outro tópico, somos diferentes em cultos, mas unidos em fé.
Iré O!
Bàbálòrìsá Erìnlé Bowale
Ilé Asé Egbé Oko Erinlé


sábado, 1 de abril de 2017

MITO, MITOLOGIA E FILOSOFIA AFRICANA




Banza Mwepu Mulundwe & Muhota Tshahwa
Assistentes na Universidade de Lubumbashi
MULUNDWE, Banza Mwepu; TSHAHWA, Muhota. Mito, Mitologia e Filosofia Africana.
Tradução para uso didático de MULUNDWE, Banza Mwepu; TSHAHWA, Muhota. Mythe, mythologie et philosophie africaine. Mitunda. Revue des Cultures Africaines. Volume 4, Numéro spécial, octobre 2007, p. 17-24 por Kathya Barbosa Fernandes e Aurélio Oliveira Marques.

Introdução
De forma alternada, ora elogiada e ora criticada, a mitologia teve, desde a Antiguidade clássica, até nossa época atual, tanto defensores convictos, quanto adversários ferozes.
Essas duas atitudes diametralmente opostas anunciam o lugar do mito e da mitologia grega em geral, e a africana em particular, nos fazem tentar decifrar nas linhas que se seguem.
Para chegarmos lá, procederemos em função das etapas seguintes:
1 – Uma definição aproximada a qual iremos apresentar ao leitor é a de que mito e logos significam aos olhos dos Gregos por eles mesmos. Nós sabemos, evidentemente, que não há unanimidade em torno destas duas concepções.
2 – Na seção intitulada “Hermenêutica e mitologia”, nós afirmaremos que toda a filosofia, independentemente de qual seja, nasce do mito graças à hermenêutica, ao método semiológico. E assim é o mesmo com a filosofia africana.
3 – A seção, que tem por título “Hermenêutica e história, visa nos fazer ver que a filosofia banto de Placide Tempels nasceu na esteira de Maurice Leenhart, da prática de resoluções da l’Ecole de Mons, que é inspirada por Heródoto, Berose e Tácito, no sentido em que combina todas as fontes potenciais, as ciências auxiliares da história sem omitir nenhuma, seja discurso, seja esoterismo.

Abordagem conceitual
Na época clássica grega, a mitologia teve tantos defensores (Homero, Hesíodo, Hecate, Parmênides, Empédocles, Theágenes...) quanto críticos (Píndaro, Anacreonte, Aristóteles e, principalmente, Tucídides, bem como, os antropólogos do século XIX e seus discípulos africanos) sem esquecer da Igreja católica romana e os teólogos liberais protestantes.
Mas a mitologia clássica grega teve também hesitantes, incialmente contra e depois pela pessoa de Platão.
Para os Gregos da época clássica, de fato, a mitologia, do grego mûthos, discurso e lógos, vieram primeiro como sinônimos, retornando todos os direitos à palavra do sábio, como um discurso livre de erro. É neste sentido que, para Hesíodo (-1000/-900), estes dois termos se valem na medida onde um designa uma relação entre o pensamento mítico e o pensamento filosófico e outro um discurso sobre o pensamento mítico. Assim, para ele existe uma identidade perfeita entre o pensamento mítico (religioso) e o pensamento racional (filosófico), desde que provenientes dos sábios. Donde, mitos e logos não se opõem a “doxa”, a opinião comum, vulgar. Ainda assim isso não impediu ao mito de ter seus críticos.
A concepção negativa do mito
Entre os adversários da mitologia, temos alguns grandes nomes:
1- Xenófanes de Cólofon (-565/-478), conhecido como "Crítico das mentiras de Homero", célebre rapsodo, contador de histórias, recitador dos poemas de Homero e Hesíodo.
Depois disso, ele se rendeu às inadequações das teogonias. Então depois disso ele começou a se envolver em duras críticas contra o antropomorfismo e os vícios dos deuses gregos. É, portanto, o primeiro caso de "desmitologização" no pensamento grego. Ele teve como adversário imediato Théagene de Régium (-530/-410), seu contemporâneo, que reabilitou a mitologia grega graças à interpretação, e à exegese alegórica desse mesmo pensamento mítico grego. Tornando-o o fundador do método simbólico, a semiótica na época grega clássica.
2 - Anacreonte (-560/-478) considera o mito como um discurso subversivo. Também em sua época, deu o nome de mûthietaï aos insurgentes que assassinaram Polícrates, tirano de Samos, em -522. E seus líderes foram chamados de mûtharchoï, os mytharques ou líderes.O mito é também sinônimo de grito de revolta, clamor de insurgentes em cólera, porque privados do discurso, não são considerados cidadãos completos.
3 - Píndaro (-5118/-438), a propósito de Xenófone, aprecia o logos, o qual qualifica o discurso, o canto elogioso à glória dos vencedores com vários jogos em detrimento do mito, que é considerado como um discurso enganador dos Antigos.
4 - Platão (-429/-349) distingue entre mito (simples discurso, exposição narrativa), logos (palavra, pensamento discursivo e argumentativo) e mitologia (discurso, reflexão sobre a tradição oral antiga).
5 - Aristóteles (-384/-322) afirma que o mito é uma narrativa estúpida, absurda.
- Epícuro de Samos (-341/-270) pretende que o mito é o recurso da superstição. Donde, deve ser impiedosamente combatido, já que é prejudicial à saúde mental e física do homem. E, nestes rastros, Hegel captou o mito como simples quimera, uma marca de impotência de parte do pensamento primitivo e uma manifestação da barbárie dos povos sem escrita.
6 - Tucídides (-471/-402) se erige contra a tradição oral em proveito da escrita.

A concepção positiva do mito
Em oposição aos inimigos (archanés) do mito e da mitologia, também são encontrados ardentes defensores na Grécia.
1 - Homero (-1000/-900) opôs mito (narrativa eloquente de sabedoria) à destreza manual (arte e artesanato).
2 - Pitágoras de Samos (-580/-500) e Ferécides de Siros, seu contemporâneo, discípulos de Homero e Hesíodo (-1000/-900), constituem um avanço entre o pensamento mítico (nomológico e descritivo) e o pensamento propriamente racional (crítico, filosófico). Eles se situam então no ponto de junção de dois modos de pensar, no ponto de passagem entre o mito e a filosofia.
3 - Heródoto (-484/-420) concebeu o mito como um discurso da verdade. Donde, através de suas Histórias, ele é convencido de que não há contradição entre mito e razão, discursos sagrados, narrativas veneráveis de sabedoria.

Segundo ele, há uma identidade perfeita entre mito e logos, discurso mítico e pensamento racional. Está é também a visão de um grande mitólogo atual.
Efetivamente, para Heródoto, Esopo e Hecate de Mileto, seus precursores, são os logopoioi, os fabricantes de narrativas, das histórias e das fábulas para seus povos. E, por sua vez, Ésquilo captou o logos por uma narrativa verdadeira (mitos) veiculada pelos mûtoï, as Fábulas de Esopo.

4 - Esopo (-620/-560) contou através da escrita de narrativas didáticas onde os animais passam lições aos humanos. Essas narrativas não são, contudo, criadas por ele, mas sim tiradas da tradição oral, da palavra antiga. A razão está em somente o povo grego do século VI a.C, ser analfabeto, mandando ele registrá-las através da escrita como forma de resguardar a obra. Consagrada pelos anciãos (quer sejam gregos ou africanos), a importância do mito e da mitologia. Constitui-se assim uma urgência e uma interpelação endereçada aos intelectuais africanos em face das tradições ameaçadas de seus povos.
- Platão, às vezes adversário, às vezes parceiro, contrariamente a Tucídides, não era livre para passar a tradição antiga de seu povo, ao contrário ele devia dizer e redizer não importando o custo fundar validamente seu discurso na razão. Vindo daí seu papel inovador ao período clássico.
Sem ser grego, B. Malinowski (1884-1942) afirma que o mito transcende a história, perscruta o passado, justifica presente e prefigura o devir do homem e seu próprio destino. Ele convida o homem a se preparar para assumir o comando.
Então, o mito não é apenas pura e simples ficção.
Elemento essencial de todas as civilizações, o mito é, portanto, um signo, ele traz uma explicação total do mundo e do homem. Ele constitui-se de um modo de pensar universal comum a todos os povos do mundo, civilizados e bárbaros.
E por que nós devemos daqui em diante rever todas as atitudes hostis ao direito do mito e da mitologia. Porque isto nos leva a tese de J.P. Mayele Ilo 13 que considera o mito como uma linguagem, linguagem fundamental de toda cultura. Pois há uma certa estrutura mesclada acerca dos mundos: o visível e o invisível. Ele convida então o homem a se situar em relação a seu lugar de verdade no mundo entre a materialidade e a espiritualidade, enquanto um animal espiritual ou espírito encarnado.
Hermenêutica e mitologia
A filosofia africana, diremos nós, como é em toda outra filosofia, não pode partir senão da tradição oral africana, dos mitos dos nossos ancestrais. Para que seja feito, ela deve se utilizar necessariamente da hermenêutica, do método semiótico.
Mas, o que é a hermenêutica? O que é a semiologia?
A hermenêutica é uma pesquisa do sentido, uma missão de releitura, uma busca pelo novo, pode-se dizer uma decodificação do significado oculto do signo e do símbolo. A filosofia de Paul Ricoeur trouxe também um problema de semiologia, da ciência do signo e do símbolo. E então, um problema de releitura das ciências humanas (história, linguística, sociologia, teologia, psicologia, psicanálise, direito, economia...) então ele deve reinterpretar o sentido em uma nova perspectiva propriamente africana. A perspectiva vista, em última análise, a explicar o homem em geral e o homem africano em particular através dos valores, das figuras do Espírito de Hegel, constituídos pelo crescimento da produção cultural do gênio humano sem exclusividade. É a hermenêutica do objeto cultural.
Enfim, a semiologia, ciência que se faz pelo objeto da interpretação, pela apreensão do sentido profundo da natureza, do homem individual e coletivo (social), é a única ciência capaz de nos fazer revelar, de nos devolver os sentidos ocultos (esotéricos) das mensagens, dos signos e dos enunciados orais e escritos. Pode-se dizer também documentos figurados: diversas obras de arte e seus representantes. A semiologia se aplica também à narrativa e à escrita.
Principal razão pela qual, a semiologia parece ser uma passagem obrigatória para a emergência da filosofia africana contemporânea, que como a filosofia grega, deve se compor com os mitos de seu povo.
Nós nos encontramos então obrigados, pela força das coisas, de constituir do interior, nossa própria hermenêutica africana, aquela que nos permitirá compreender validamente nossas realidades socioculturais africanas sem depender de fora. Pois já sabemos cada discurso, seja ele qual for, depois da Grécia clássica, merece seu lugar na escolha do concerto das ciências, desde que seja o produto de uma sociedade nacional ou etnicamente constituída. Assim, seja ela da filosofia africana e afro-americana e seus métodos.
A filosofia acadêmica afro-americana, dirão, vê-se uma hermenêutica, uma revelação total da vida do povo negro afro-americano. Nessa hermenêutica reside através de uma apropriação crítica de diversas tradições de seu povo, como forma de manter viva sua memória coletiva, única condição para o surgimento de uma vida de felicidade através da liberação mental.
É de certa maneira dizer que a filosofia acadêmica africana não será outra coisa que:
1 - Uma filosofia social crítica que pelo despertar da Escola de Frankfurt, esforça-se por compreender e afirmar uma identidade étnica e histórica.
2 - Uma filosofia orientada pela liberação da ciência da tirania cultura capitalista.
3 - Uma busca do sentido da consciência e do ser, bem como de sua própria ação dentro de sua comunidade. Assim, filosofar para o negro afro-americano torna-se uma lição de antropologia cultural, ou seja, buscar sua identidade não apenas individual, mas também coletiva. Ela deve então daqui em diante ser orientada em direção à história como forma de permitir ao negro de se descobrir através de sua curva histórica e suas facetas: socioculturais e econômico-política.

Hermenêutica e história
A filosofia, como acabamos de ver, nasceu da hermenêutica, portanto da interpretação e da releitura dos signos: mitos e diversos símbolos.
Os mitos históricos, que nasceram junto da Escola de Mons (na Bélgica), surgiram do Movimento Etnográfico e Sociológico criado para o Congresso Nacional de Mons (1905) que defende os seguintes objetivos:
1. Constituir uma documentação científica completa sobre o estado social dos povos exóticos: seus hábitos, usos, costumes, ritos e práticas.
2. Publicar todas as investigações etnográficas (sociológicas) coletadas nas monografias apropriadas.
Em suma, escrever um Repertório geográfico (país por país) e etnográfico (povo por povo) dos povos negros que foram colonizados em todo o mundo. O repertório de qualquer monografia deve ser realizado baseando-se unicamente na investigação oral realizada no território dos povos interessados em outros métodos que sejam 18. De qualquer maneira, a investigação judicial - ela mesma - não procede sob reserva de agrupamento dos dados assim obtidos. Isto está presente na Escola etnológica mitológica e religiosa inspirada em Heródoto (487 a.C – 420 a.C) e depois por Tácito (55 – 120), que hoje é representado por Maurice Leenhardt (1878 – 1954) e seus sucessores. A referência a Heródoto e a Tácito, na origem da etnologia (e até mesmo da antropologia), se explica pelo interessante estudo descritivo dos povos que considerava, então, como simples bárbaros. Vale ressaltar ainda que nas Histórias - obra que Tácito estrutura mais sistematicamente seu método etnológico - derivou-se em boa parte de uma anterior, Germanie. A Escola etnológica mitológica e religiosa é destinada a conduzir os estudos científicos sobre os mitos dos povos sem escrituras tendo em vista sua revalorização.
Um pastor da Igreja Protestante - em Nouméa (Nova Caledônia) - durante 25 anos, Leenhardt se consagrou de uma maneira científica aprofundando-se em conhecer as civilizações (mitos, usos, ritos, costumes e práticas) dos povos polinésios em vista da evangelização deles. Placide Tempels, um missionário católico belgo, chegou à Baluba, em Katanga (Congo Belgo), no entanto, não deu procedência aos seus estudos. Esta é a mesma fonte da Filosofia banto. Nós vemos, portanto, que o estudo científico dos nossos mitos não é sem importância. Os estudos de Leenhardt, por sua vez, tiveram por consequência demonstrar que o pensamento mítico constituía somente uma racionalidade à parte, diferente daquela produzida no ocidente, sem por isso desembocar num irracionalismo.
É fácil considerar a grande influência exercida pela Escola de Mons sobre os esforços implantados pelos ocidentais no início do século XX pelo conhecimento dos povos colonizados e suas culturas. O que conduz o mesmo reconhecimento do seu legítimo direito para desenvolver sua própria filosofia que se liga, curiosamente, àqueles povos mais antigos do oriente clássico, notavelmente da Grécia. É, portanto, neste mesmo acordo da Escola de Mons e do Movimento Etnográfico e Sociológico Internacional - presentes na obra de Marcel Griaule (1856 – 1898) - que se realizaram os estudos acerca dos mitos e das lendas dos povos africanos sob dominação francesa à luz da arqueologia contemporânea:
1. Marcel Griaule, um etnólogo francês que se apaixonou pelas pesquisas de campo, começou muitas viagens de estudos na África ocidental, no Tchad, na República Centro-africana e na Etiópia - principalmente no caso da missão Dakar-Djibouti (1931 – 1933). Deste modo, ele foi considerado o descobridor de um novo método de investigação, criado sobre a observação de um determinado povo. Ele é o autor do Método de Etnologia. (Paris, 1957).
2. Encarregado da Missão Sahara-Camarões (1936-1937) - destinada a coletar uma vasta documentação indispensável na confecção das monografias sobre os povos daquela região (Chade, Nigéria e Camarões), atualmente chamada de Kotoko e que tinham por ancestrais o povoado de São, Marcel Griaule efetuou uma sondagem arqueológica e trouxe suas pesquisas (orais) sociológicas coletando ainda as primeiras informações sobre as tradições do Sao.

Tal empresa trata de duas disciplinas científicas diferentes: a etnografia e a arqueologia. O que lhe permite explorar os ditos e os testemunhos das pesquisas, que se deram sob a caneta dos documentos escritos com finalidade científica. Em suma, Marcel Griaule acha apropriado dar mais crédito aos mitos retirados da tradição oral africana, que contém os dados histórico-culturais (resultado das escavações arqueológicas) e contém, também, um método do trabalho científico clássico de tipo imperialista que, ainda hoje, possui valor nas universidades africanas meio século depois das independências.
O mito, para Marcel Griaule, ocupa um lugar privilegiado. Roger May, seu discípulo, formula a tese da Anterioridade das civilizações negras segundo o mesmo método que inspira igualmente C.A.DIOP. Jan VANSINA, por sua vez, fez da tradição oral africana uma fonte segura da nossa história.
De fato, J. Cuvelier afirma (muito tempo antes de VANSINA) que a tradição oral africana esclarece e completa os dados dos nossos povos acerca da história escrita. Até mesmo porque a história começa com a lenda: por exemplo, a gênese da história de Roma. Com efeito, como bem disse a Bíblia: “No princípio era Palavra (verbum)”. É neste mesmo sentido, da revalorização do negro africano e da sua cultura, que Théophile OBENGA nos convida a utilizar todos os tipos de métodos capazes de nos apropriarmos da história (aprofundada) da África, uma história diferente daquela ideologia inventada a partir do zero para o obscurantismo ocidental objetivando a dominação e a exploração capitalista dos nossos povos indefesos. Este método ideal tão procurado por Th. OBENGA é o método sociológico; ou seja, a hermenêutica de Paul RICOEUR e a arqueologia do saber de Michel FOUCAULT.
Em suma, é no século XIX sob a influência de HUME (1711-1776), HEGEL (1770-1831) e GOBINEAU (1816-1882), instigadores do racismo e do colonialismo, que nasceu o espírito positivista caracterizado por uma atitude negativa no lugar do pensamento mítico. No entanto, atualmente, se edifica toda uma escola que considera o pensamento mítico como parte integrante do pensamento filosófico. Tal escola (representada hoje por L. COULOUBARITSIS e J.P. MAYELE) e uma atitude positiva no lugar do mito e da mitologia foram hoje em dia, felizmente, adaptadas para a Igreja Católica.
Por isso, a tradição oral africana não pode, hoje, ser proscrita. Porque ela constitui um documento (sonoro) dentre tantos outros. É nesta mesma ordem de ideias que Marcel GRIAUOLE, C. A. DIOP (1923-1986), em sua Teoria Camítica, revaloriza a lenda bíblica, muitas vezes desprezada por Th. OBENGA, como uma fonte autêntica da história africana.
Portanto, na Grécia arcaica clássica, mûthos e logos chamados hiéros (palavra sagrada dos antigos, transmitida de boca à orelha de uma geração a outra, antes de ser fixada na escrita) não se opõem e nem se excluem mutuamente. Daí cada escola de pensamento, cada santuário de mistério desempenhava - como suas doutrinas – seus próprios mitos e seu patrimônio inalienável (no caso das Casas de vida no Egito faraônico). Estes mitos estavam cuidadosamente conservados por algumas grandes famílias sacerdotais (no caso dos Eumolpides ou Cérycides em Eleusis, perto de Atenas). Razão pela qual, estes Mistérios, grandes depósitos dos mitos antigos, dominaram a vida sociocultural da Grécia antiga durante um milênio.
Em suma, o mito era considerado como uma verdadeira linguagem (discurso racional). Neste caso, ao versar acerca da existência do homem no mundo, tinha por objetivo transmitir uma mensagem séria. O que nos convida a respeitar os mitos de todos os povos do mundo; como foram, também, aqueles da Grécia antiga, que regeram o nascimento da filosofia, fonte do conhecimento. Portanto, até mesmo a significação e a verdade (científica) são derivadas dos mitos: por exemplo, os mitos modernos, notavelmente todos os gêneros literários (contos, poesia, teatro, religião, política, filosofia e ideologia). Portanto, todos os feitos da cultura, toda a união coerente do conhecimento e as figuras do Espírito de Hegel.

Conclusão
Tendo em vista tudo o que acaba de ser dito, nós devemos, necessariamente, saber que a filosofia africana nasce desde o dia em que os africanos como todos os homens e todas as raças do mundo começaram a falar, perguntar sobre as questões acerca da condição humana e a encontrar as respostas sob várias formas e modos de expressão que diversificam os mitos, os ritos, as crenças (ideias) e as práticas (instituições, usos, costumes e técnicas). No entanto, o mito sempre existiu; ele continua e continuará sempre a existir. Portanto, ele não falhou em conhecer nenhum dos problemas, sejam eles grandes ou pequenos. Não obstante, o mito não perde sua força nem menos sua importância. Sua grande chance de sobreviver reside, sobretudo, no fato de que o mito contém e veicula um determinado conhecimento e uma concepção de mundo e de ser humano, isto é, uma cosmologia, uma cosmogonia e uma antropologia.
É de sua essência, portanto, ser uma religião, uma ideologia e uma crença. Impõe ao homem uma fé cega acerca dos objetivos que ele lhe atribui. O que foi a base das revoluções sociais, políticas e das guerras no caso dos conflitos de opiniões. Por isso, cada sociedade desenvolve suas crenças: seus mitos, suas religiões, suas ideologias e sua própria cultura. Ocorre, portanto, o mesmo em toda África, com seus mitos e sua filosofia.

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23. Y.- E . Dogbé, Négritude, culture et civilisation, Akpagnon, Le Mée-sur-Oise, 1980.

Filosofia Africana: Ontem e Hoje



Joseph I. Omoregbe Tradução Renato Nogueira Jr.

Filosofia é essencialmente uma atividade reflexiva. Filosofar é refletir sobre a experiência humana para responder algumas questões fundamentais a seu respeito. Quando o ser humano reflete buscando a si mesmo ou o mundo que o cerca, ele está tomado pelo “espanto” e essas questões fundamentais surgem na sua mente. Quando o ser humano reflete sobre estas questões fundamentais na busca de respostas, ele está filosofando. Platão e Aristóteles relatam que o “espanto” está na base do nascimento da filosofia. “É através do espanto que os homens começam a filosofar” (Aristóteles, , p.). Platão tem o mesmo ponto de vista na República quando diz que não há outro ponto de partida para filosofia que este, o “espanto”. Portanto, o primeiro passo para a atividade filosófica é o “espanto” que acompanha a experiência humana consigo e com o mundo ao seu redor. Este espanto abre caminho para algumas questões fundamentais, eis o segundo passo. O terceiro passo é tomado quando o ser humano começa a refletir sobre estas questões fundamentais na busca de respostas. Neste estágio, o homem em questão está filosofando, se ele registrar suas reflexões temos por escrito um trabalho filosófico.
A experiência humana é a fonte do conhecimento reflexivo entendido como filosofia. Esta experiência poderia ser do homem com ele mesmo (subjetividade) ou dele com o mundo (objetividade). Daí filosofia poder partir de aspectos da subjetividade ou de aspectos da objetividade. Os primeiros filósofos gregos partiram da objetividade. Afinal, eles foram impactados pelo “espanto” enquanto observavam o mundo ao seu redor. Eles ficaram espantados e interessados por duas coisas. Primeiro, eles estavam muito impressionados com a diversidade e a unidade presentes no universo. Eles observaram que as coisas ao seu redor eram incrivelmente diversas; mas, ao mesmo tempo eles também observaram que existia uma unidade básica no interior de toda essa diversidade. Segundo, eles estavam maravilhados pelo fato das coisas se transformarem no mundo. Eles anunciaram que as coisas estão constantemente se transformando; mas, ao mesmo tempo eles observaram que existia uma continuidade básica no meio dessas mudanças. Daí eles observaram que o universo combinava unidade com diversidade e continuidade com mudanças. Este foi o fenômeno estabelecido pelos primeiros filósofos gregos como objeto de investigação. Portanto, as maravilhas do universo físico levaram os primeiros filósofos gregos à filosofar. De fato, fenômenos como a imensidão do espaço, a imensidão do universo, a incrível variabilidade das coisas, a ideia de tempo, a ininterrupta transformação do mundo ao nosso redor, a continuidade presente nessas mudanças, a unidade básica no meio da diversidade, as estações do ano, os corpos celestes e seus movimentos circulares, o céu estrelado, o sol, a lua, etc. tem motivadas profundas reflexões filosóficas sobre o mundo. Na sua Crítica da razão prática, Kant registrou que duas coisas, o colocaram em contato com o espanto, a saber: o céu estrelado e a lei moral.
Mas, como já foi dito, o filosofar também pode começar a partir da condição humana. Daí o homem consigo mesmo ser alvo de uma investigação filosófica tão rica quanto a que se debruça sobre o universo físico. A brevidade da vida, suas vicissitudes, a superioridade humana sobre o resto da natureza sob seu controle e domínio, seu poder e sua fraqueza, sua alegria, seu pesar, sucessos e fracassos, sua finitude, sua experiência de sofrimento, desventura, doença, morte e decadência, grandeza e miséria do ser humano etc. tem conduzido para reflexão filosófica sobre toda a realidade. A filosofia de Buda, por exemplo, surgiu de uma reflexão sobre o sofrimento humano. Reflexão sobre este fenômeno da existência que levanta algumas questões básicas sobre a natureza humana. Que tipo de ente é o ser humano tão poderoso e tão fraco, tão grandioso e tão miserável? Hoje, ele pode ser forte e poderoso; amanhã, ele deixa de ser forte e poderoso e isto é o seu fim. O ser humano tem um tempo natural de existência, seu instinto mais forte é o instinto de auto-preservação – seu desejo de permanecer vivo. Apesar de expectativa de vida ser breve e frequentemente se esgotar antes do “tempo” e contra os seus desejos mais profundos, todos os seus esforços para resistir ao fim imponderável são inúteis. O ser humano tem um forte desejo de saber, ele é curioso por natureza; apesar do seu conhecimento ser tão limitado que ele sequer conheça a si mesmo. Ele não sabe porque existe e não possui respostas sobre questões básicas a respeito de si mesmo. Ele não escolheu vir para este mundo, simplesmente se descobriu no mundo sem saber o porquê, e cedo ou tarde será forçado a deixar o mundo. Como tudo que existe no universo o ser humano simplesmente aparece e finalmente desaparece. “Que quimera é o homem! ” Exclama Pascal, um caos, um sujeito em contradição. Portanto, o homem é um problema para si mesmo, um mistério. Qual é a sua origem? Qual é o seu destino final? O que acontece quando ele é forçado a deixar a existência? Ele é parte integrante da natureza ou ele transcende a natureza? Existe entre ele e os outros animais diferença de grau ou de natureza? Para que ele vive? Qual é o sentido último da vida? Existe uma força sobre-humana que controla tudo? Se esta força existe, ela pode ser conhecida? Estas e outras interrogações semelhantes são questões fundamentais sobre a condição humana. Os seres humanos teem se direcionado para reflexões sobre toda a realidade. Refletir sobre uma dessas questões, buscar explicações e respostas é filosofar. Não existe uma parte do mundo onde as pessoas nunca tenham refletido acerca de questões básicas da condição humana ou sobre o universo físico. Em outras palavras, não existe nenhum lugar no mundo onde os seres humanos não tenham filosofado. A inclinação para refletir sobre questões filosóficas fundamentais faz parte da natureza humana; esta tendência está na raiz do instinto natural de curiosidade do homem – o instinto de saber.
Natureza humana e experiência humana são basicamente a mesma coisa em todo o mundo, a tendência para filosofar é constitutiva da natureza humana. Daí o filósofo alemão Karl Jaspers ter dito que “o homem não pode evitar filosofar” (Jaspers, 1974, p.1). Em certa medida, num sentido genérico, todo ser humano é filósofo, na medida de que uma ou outra vez na vida, reflete sobre questões filosóficas fundamentais acerca da existência ou do universo físico. Por exemplo, nos funerais ou na hora da morte física ou do sofrimento, doença, dor, miséria, etc., os homens ficam aptos a refletir sobre o sentido da vida. Contudo, no sentido estrito do termo, um filósofo é alguém que dedica uma parte significativa do seu tempo para regularmente refletir sobre essas questões. Essas pessoas existem no mundo todo e podem ser encontradas entre todos os povos, em todas as civilizações e em toda parte do planeta. Não é apenas no mundo ocidental que as pessoas refletem sobre questões fundamentais acerca da existência e do universo. Em qualquer civilização existiam aqueles que estavam tomados pelo “espanto” e maravilhados com as complexidades do ser humano e do universo físico. Pessoas que regularmente dedicavam muito tempo refletindo sobre questões fundamentais que surgiam desse encantamento com a realidade ou de sua complexidade, eram os filósofos dessas civilizações. Não é necessário empregar os princípios aristotélicos ou russerlianos na atividade reflexiva para que ela possa ser considerada filosófica. Ela não precisa seguir os mesmos parâmetros dos pensadores ocidentais. A habilidade para refletir de modo lógico e coerente faz parte da racionalidade humana. A capacidade de pensar logicamente e de raciocinar são a mesma coisa. Com efeito, é falso afirmar que esse ou aquele povo não pode pensar logicamente ou empregar a razão de modo coerente porque não usa uma argumentação tipicamente ocidental baseada na lógica aristotélica ou russerliana. Algumas pessoas, educadas dentro da tradição filosófica ocidental, afirmam que não existe filosofia e nem atividade filosófica fora da filosofia e do método ocidental de filosofar, tal como eles denominam “tecnicamente”. No seu livro Introdução à filosofia ocidental, o professor Antony Flew diz que filosofia consiste em argumentos “sempre, do início ao fim” e desde que não há argumentos no pensamento oriental (ou conforme ele pensa) por consequência não existe filosofia no pensamento oriental. De modo similar, referem-se à tradição filosófica africana. Professor Wiredu escreveu: “sem argumento e clarificação, não existe filosofia no sentido estrito do termo” (Wiredu, 1980, p.47). Conforme Wiredu, a tradição filosófica africana só pode ser considerada filosofia no sentido amplo do termo. O professor Wiredu é bem versado em filosofia ocidental, especificamente na tradição analítica anglo-saxã onde a filosofia é delimitada pela lógica, análise sistemática e clarificação dos termos. Esta é a impressão deixada por seus textos. Ele é certamente um dos filósofos africanos contemporâneos que contribui significativamente com a filosofia africana. Contudo, quando ele diz que sem argumentação e clarificação não há filosofia, tecnicamente falando, ele identifica filosofia com uma argumentação tipicamente ocidental. Em outras palavras, ele quer dizer que se a atividade reflexiva não estiver baseada na argumentação e clarificação típicas do pensamento ocidental (recomendado pela tradição analítica anglo-saxã), ela não é filosofia. Em primeiro lugar, a essência da filosofia não é o argumento; mas, a reflexão, o que faz com que não tomemos a argumentação tipicamente ocidental como padrão para a filosofia. Em qualquer lugar existe reflexão acerca das questões fundamentais sobre o ser humano e o mundo (seja qual for a forma de reflexão empreendida), isto é, filosofia.
Nós devemos distinguir entre filosofia e os modos de transmiti-la e preservá-la. Reflexões filosóficas podem ser preservadas e transmitidas de diversas maneiras. De longe, a melhor maneira de preservar e transmitir a filosofia é através da escrita, na forma de livros. As vantagens deste modo de preservação são enormes não somente porque as reflexões são preservadas e transmitidas sem alterações; mas, porque os filósofos teem seus trabalhos preservados, transmitidos e eles são reconhecidos como autores e pensadores individuais. Deste modo é possível saber quais são as ideias originais e pontos de vista de cada autor, seja através de seus textos ou de textos sobre eles (tal como no caso de homens como Buda, Sócrates e Jesus Cristo que não deixaram nenhum texto escrito). O mundo ocidental tem sido beneficiado desde que a escrita surgiu na antiguidade e tornou possível preservar substancialmente as reflexões desses filósofos. Com efeito, podemos falar a respeito de Sócrates, Platão, Aristóteles, Kant, Hegel etc. Mas, quem pode dizer que outras civilizações não tinham seus próprios filósofos: Quem pode dizer que homens de outras civilizações não pensam, não refletem sobre questões básicas sobre a condição humana e o universo? Homens do mundo ocidental não são os únicos abençoados com racionalidade, com inteligência, com pensamento e com instinto de curiosidade. Todos esses elementos são característicos da natureza humana e são encontrados em todos os povos do planeta. Todas civilizações e todos os povos teem os seus próprios filósofos – seu próprio Sócrates, seu próprio Platão, seu próprio Descartes, seu próprio Hegel, etc. A África não pode ser uma exceção. Infelizmente, devido a ausência de registros escritos nos últimos tempos, as reflexões filosóficas de pensadores africanos não teem sido preservadas efetivamente.
De fato as reflexões filosóficas de pensadores africanos não foram preservadas ou transmitidas através de relatos escritos; a verdade é que esses filósofos permanecem desconhecidos para nós. Porém, isso não significa que eles não tenham existido; nós temos fragmentos de suas reflexões filosóficas e suas perspectivas foram preservadas e transmitidas por meio de outros registros escritos como mitos, aforismos, máximas de sabedoria, provérbios tradicionais, contos e, especialmente, através da religião. Isto quer dizer que apresentado na forma escrita, o pensamento pode ser entendido como um sistema, não somente como um conhecimento transmitido de uma geração para outra. Além das mitologias, máximas de sabedoria e visões de mundo, o conhecimento pode ser preservado e reconhecido na organização político-social elaborada por um povo. São esses os meios através do qual as reflexões e perspectivas dos filósofos africanos teem sido preservadas e transmitidas para nós na África. Portanto, estas reflexões e pontos de vista teem transformado, ao longo dos anos durante o processo de transmissão, parte do modo de vida africano, da cultura e patrimônio africanos. Porém, os autoresde perspectivas originais e individuais permanecem desconhecidos para nós. Ainda que nós saibamos que essas perspectivas teem sido fruto de profundas e interessantes reflexões de alguns pensadores africanos no passado. Onde há fumaça, deve existir fogo. Mesmo quando o fogo não pode ser visto. Os fragmentos das reflexões filosóficas, ideias e visões de mundo transmitidas para nós por intermédio de aforismos, máximas de sabedoria, através de provérbios, contos, organizações político-sociais, por meio de doutrinas e práticas religiosas não podem vir do nada. Eles são evidências de profundas reflexões filosóficas de alguns talentosos pensadores que eram filósofos africanos no passado, os africanos contemporâneos de Sócrates, Platão, Aristóteles, Kant, Hegel etc. O professor Wiredu chama a filosofia africana tradicional de “pensamento de comunidade” e diz que “ele não é criação especifica de um filósofo” (Wiredu, 1980, p.46-47). Ele afirma que esse pensamento é propriedade comum e pertence a toda a humanidade. O professor Wiredu quer dizer que estas ideias, insights, estas visões de mundo etc. não foram produzidas por pensadores individualmente?
Nós sabemos que não há algo como consciência coletiva ou consciência comunitária no sentido estrito do termo. Por consciência entendemos sempre uma consciência individual e pensamentos sempre são de indivíduos. A expressão “pensamento coletivo” não pode significar outra coisa além de pensamento de indivíduos numa comunidade. A filosofia tradicional africana surgiu a partir de pensadores individuais, filósofos que refletiram sobre questões fundamentais que surgiram da experiência humana. Professor Wiredu diz que elas são propriedades de todos; mas, isso não que elas foram produzidas por todos. Pensamentos e ideias transmitidos por pensadores eventualmente se transformam em propriedade comum. Mas, isto não significa que esses pensamentos não tenham sido elaborados por autores individuais. Vamos tomar como exemplo, o conceito akaniano da essência humana descrito por W.E. Abraham (1962, p.59-61) e Wiredu (1980, p.47). Conforme a tardição do pensamento Akan, a pessoa humana foi feita por cinco elementos: (1)nipadu – um corpo;
(2) okra – uma alma, um guia espiritual;
(3) sunsum – a parte de uma pessoa que é responsável pelo seu caráter;
(4) ntoro – aquela parte que advém do pai, base das características hereditárias;
(5) mogya – aquela parte da pessoa que se transforma em fantasma após a morte, herdada da mãe e que determina a identidade do clã da pessoa.
Sem dúvida, este é um conceito altamente complexo de ser humano que é obviamente fruto de uma profunda e balizada reflexão sobre a condição humana. Se possuímos uma reflexão culminando nesta complexa noção de humanidade devemos ser levados a identificar pensadores singulares na nação Akan. Embora este conceito de humanidade tenha se tornado uma noção comum e propriedade de todos os akanianos; não quer dizer que o conceito tenha sido produzido por todos ou vindo do nada. Os autores eram filósofos akanianos e em algum momento do passado, suas ideias passaram a constituir parte da herança cultural da nação Akan. Esses filósofos akanianos evidentemente refletiram sobre a natureza humana e suas teorias são frutos de reflexões pessoais. O fato de não sabermos quem eram esses filósofos não significa que eles não existiram. O conceito akaniano de filosofia é muito mais rico e mais complexo do que muitos que encontramos na filosofia ocidental. É evidente que esse conceito tem seus autores singulares. Esses autores eram o Sócrates, o Platão, o Descartes etc. do povo akaniano. Professor Wiredu também diz que o pensamento folclórico consiste em assertivas frágeis sem suporte argumentativo (Idem). Nós sabemos que não eram assertivas gratuitas, para os autores dessas ideias e perspectivas existiam razões para abraçar e desenvolver suas ideias. Eles não faziam afirmações sem fundamento, elas eram frutos de reflexões e as conclusões eram resultados de processos de raciocínio. Esses pensadores africanos não desenvolveram suas perspectivas sem razõessem reflexões para fundamentar as questões. Eles, apenas, não apresentaram seus raciocínios nos moldes do silogismo aristotélico ou da lógica de Russel, mas é óbvio que eles postularam suas ideias racionalmente. Por exemplo, quando eles sustentavam a perspectiva da reencarnação, sem dúvida, eles seguiram raciocínios específicos antes de apresentar as conclusões. Eles devem ter observado as pessoas sistematicamente, sabendo que elas morriam e renasciam depois. Eles defenderam que determinados traços de personalidade no passado eram reparados no futuro. Refletiram sobre este fenômeno antes de chegarem à conclusão de que alguns aspectos do ser humano renasciam após a morte. Observações e reflexões similares permitiu aos filósofos akanianos sustentar que a pessoa humana é composta pelos cinco elementos anteriormente descritos. Portanto, filósofos africanos passaram por processos de observação, raciocínios e reflexões antes de obterem ideias, perspectivas e visões de mundo transmitidas para nós através de máximas, contos, mitos, organizações sociopolíticas, doutrinas religiosas, etc.
Agora, como nós encontramos os processos que fizeram com que esses filósofos africanos sustentassem suas ideias? Como podemos descobrir as razões de suas ideias, pontos de vista e doutrinas que nos foram transmitidas? Numa cultura em que a filosofia é preservada nos livros, essa tarefa é mais fácil. Por exemplo, se você quer saber porque Platão sustentou que a alma é imortal, tudo que você precisa fazer é ler o Fédon. Porém, numa cultura em que a filosofia foi preservada na memória através de máximas de sabedoria, provérbios, contos, mitos, religião, etc. passando geração após geração; as pessoas mais velhas podem nos ajudar (desde que estejam próximas, são a fonte para encontrarmos esses pensadores originais). Desde que a filosofia foi preservada, através da memória ou dos livros; a memória dos anciões deve servir para descobrirmos as razões que são as bases do que nos foi transmitido. Com efeito, a memória dos anciões pode estar no lugar dos livros. Na cultura ocidental a pesquisa é normalmente feita na biblioteca, na situação peculiar da tradição filosófica africana o trabalho de campo é indispensável nas pesquisas. Este trabalho de campo tem como propósito reconstruir os processos de raciocínio que foram responsáveis pelas ideias que chegaram até nós, através de entrevista com os anciãos. Em outras partes do mundo, se você quer saber a filosofia de um povo, diz o professos Wiredu: “você não deve se reportar aos velhos camponeses, aos sacerdotes ou personalidades da corte; mas, aos pensadores em pessoa ou textos” (Wiredu, 1980, p.47-48). No caso da tradição filosófica africana, a memória dos anciãos ou personalidade da corte é de imensa ajuda. A tradição filosófica africana não é apenas a filosofia da África na antiguidade. Africanos contemporâneos também filosofam. Portanto, estou de acordo com o professor Wiredu que diz que a expressão “filosofia africana” não deve ser compreendida somente em termos de filosofia africana tradicional desde que existem filósofos africanos contemporâneos (Idem, p. XI). Existem filósofos africanos assim como existe filosofia africana contemporânea. O que significa que a filosofia africana não deve ficar restrita à filosofia tradicional, devemos incluir filósofos africanos contemporâneos como Kwame Nkrumah, Leopold S. Senghor, Nyerere e Kwasi Wiredu. Os três primeiros são pessoas públicas que teem contribuído imensamente com a filosofia política africana contemporânea, o último nome, Kwasi Wiredu, é um filósofo acadêmico, professor de filosofia. Sem dúvida, existem outros filósofos em departamentos de filosofia por toda a África.
Professor Wiredu observa que filósofos africanos contemporâneos dedicam muito tempo de suas pesquisas à questões acerca da filosofia africana, distinguindo o que caracteriza a filosofia africana. Ele entende que é preciso chegar num estágio de ir além de debates sobre filosofia africana e começar a fazê-la (Ibidem). De acordo com o professor Wiredu, é preciso começar a trabalhar e desenvolver duas teses filosóficas. Primeira, verdade não é nada mais do que opinião. Segunda, ser é ser conhecido. A primeira tese, a saber de que a verdade não difere da opinião, tem sido criticada por outro filósofo africano Dr. Oruka. Professior Wiredu tem divergido dessa e de outras críticas (Idem, p. 174). Wiredu recusa qualquer distinção entre verdade e opinião, defendendo que “a verdade não é distinta da opinião” (Idem, p. 114). Ele diz que a experiência do senso comum parece sinalizar que a verdade é algo distinto da opinião. Algumas vezes, sustentamos algumas opiniões como verdadeiras, porém, mais tarde descobrimos que estávamos errados. De fato, o senso comum faz distinção entre verdade opinião. A verdade tem sido percebida como algo independente, uma realidade objetiva, categoricamente distinta da opinião (Ibidem). Wiredu denomina isto de perspectiva objetiva da verdade, conforme esta noção a verdade está fora do tempo, tem caráter eterno e permanece imutável enquanto as opiniões se transformam. Ele rejeita esta perspectiva objetiva da verdade com base na ideia de que “se verdade é categoricamente diferente de opinião, quando algo é verdadeiro, se assemelha a um princípio lógico, indemonstrável” (Idem, p.115). “Tudo que é alegado sobre a verdade é meramente uma opinião desenvolvida a partir de um ponto de vista específico; categoricamente diferente da verdade. Com efeito, afirmar que o conhecimento verdadeiro é distinto da opinião é uma noção contraditória em si mesma” (Ibidem). Portanto, conforme Wiredu, a teoria objetiva da verdade implica na sua indemonstrabilidade. Mas, isto é, uma divergência com o senso comum. Afinal, algumas vezes sabemos que determinadas proposições são verdadeiras. “Portanto, a teoria objetiva deve estar incorreta” (Ibidem). Wiredu afirma que o “ponto de vista” é um elemento intrínseco ao conceito de verdade, porque verdade sempre é verdade de um ponto de vista. Wiredu simplesmente identifica “ponto de vista” com “opinião” e afirma que desde que a verdade é sempre verdade de um ponto de vista, segue que a verdade não passa de opinião. “Verdade está sempre ligada a um ponto de vista, isto é, verdade é a perspectiva de um ponto. Existem muitas verdades tanto quanto muitos pontos de vista” (Ibidem).
Eu não posso subscrever essa teoria subjetiva da verdade que não distingue verdade de opinião. “Verdade é a mesma coisa que opinião” (Idem, p.114). Verdade não é idêntica à opinião. Verdade é objetiva, enquanto opinião é sempre subjetiva. Opinião é sempre a opinião de alguém, uma perspectiva subjetiva de algo, mas não podemos dizer que verdade é a verdade de alguém. Wiredu tenta desconstruir a diferença entre subjetividade e objetividade ou reduzir objetividade à subjetividade de modo que a objetividade desapareça. Porém, se objetividade desaparecer e for subsumida à subjetividade. Nós não poderíamos debater acerca da subjetividade, porque não existiria a distinção característica que torna a subjetividade possível, o contraste com a objetividade. Isto se aplica à verdade (objetividade) e opinião (subjetividade). Se, tal como Wiredu defende, a verdade não é nada além de opinião, nesse caso a poinião perderia o seu significado, o qual só pode ser obtido em contraste com a verdade. A assertiva de Wiredu de que existem muitas verdades assim como muitos pontos de vista, afirmando que todo ponto de vista equivale uma verdade, é totalmente falsa. Wiredu identifica implicitamente “ponto de vista” com “verdade”. Mas, de fato, eles não são idênticos. Opinião é sempre subjetiva; mas, ponto de vista pode ser objetivo. Não faz sentido falar em “opinião objetiva” desde que opinião é sempre subjetiva; mas, podemos falar de um “ponto de vista objetivo” ou de “perspectiva da objetividade”. Consequentemente, mesmo que o aspecto do ponto de vista seja intrínseco ao conceito de verdade, ela não poderia ser descrita como nada além de opinião. Outra tese de Wiredu é a de que “existir é ser conhecido”. Do mesmo modo que o ponto de vista é um elemento intrínseco ao conceito de verdade, o conceito de conhecimento também é intrínseco ao conceito de ser e existência. Dizer que um objeto existe, argumenta Wiredu, é afirmar que o termo em questão se refere a um objeto. “Existir significa que um dado termo “x” equivale a algum objeto” (Idem, p.127). Portanto, dizer “x” existe é dizer que existe referência. Evidente que isto é sem argumentar, diz Wiredu, que não podemos alegar que o termo “x” se refere a algum ente enquanto não conhecemos nada sobre o ente em questão. De onde segue que alegar ou dizer que um objeto existe implica em ter algum conhecimento sobre o objeto. Por fim, existir é ser conhecido.
Novamente, não posso subscrever esta tese. A semelhança entre está tese e a de Berkeley (que existir é ser percebido) é óbvia. Wiredu declara que a tese de Berkeley é irrefutável (Idem, p.114), e que sua tese é tão somente outra forma da tese de Berkeley. Afirmar que existir é ser conhecido, tal como Wiredu faz, implica em que a existência de um objeto dependa do conhecimento do ser do objeto. Mas, está não pode ser a razão, porque o conhecimento sempre pressupõe um objeto que seja anterior e independente de seu conhecimento. O ato de conhecer é uma atividade voltada para um objeto, o que pressupõe que o objeto de conhecimento exista antes e seja independente da atividade de conhecimento que lhe é direcionada. Não é a atividade de conhecimento que constitui o ser do objeto. Nada pode ser conhecido, a menos que exista a priori e independentemente da ação de conhecimento. Objetos existem primeiro e antes da atividade de conhecimento que é endereçada para eles, logo, o ponto de partida são os objetos de conhecimento. Existir não pode significar ser conhecido. É verdade que não podemos assegurar que um objeto existe sem conhecermos o objeto em questão, mas, isto não faz que a existência do objeto dependa do nosso conhecimento sobre ele. Conhecer um objeto é fazer com que o objeto seja alvo de nosso conhecimento, implicando certamente que o objeto exista antes e independentemente de nosso conhecimento sobre ele.
African Philosophy : Yesterday and Today in African Philosophy: an Anthology by Emmanuel Chukwudi Eze, Massachusetts/Oxford, Blacwell Publishers,1998.





Referências Bibliográficas

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