Joseph
I. Omoregbe Tradução Renato Nogueira Jr.
Filosofia é
essencialmente uma atividade reflexiva. Filosofar é refletir sobre a experiência
humana para responder algumas questões fundamentais a seu respeito. Quando o
ser humano reflete buscando a si mesmo ou o mundo que o cerca, ele está tomado
pelo “espanto” e essas questões fundamentais surgem na sua mente. Quando o ser
humano reflete sobre estas questões fundamentais na busca de respostas, ele
está filosofando. Platão e Aristóteles relatam que o “espanto” está na base do
nascimento da filosofia. “É através do espanto que os homens começam a
filosofar” (Aristóteles, , p.). Platão tem o mesmo ponto de vista na República
quando diz que não há outro ponto de partida para filosofia que este, o
“espanto”. Portanto, o primeiro passo para a atividade filosófica é o “espanto”
que acompanha a experiência humana consigo e com o mundo ao seu redor. Este
espanto abre caminho para algumas questões fundamentais, eis o segundo passo. O
terceiro passo é tomado quando o ser humano começa a refletir sobre estas
questões fundamentais na busca de respostas. Neste estágio, o homem em questão
está filosofando, se ele registrar suas reflexões temos por escrito um trabalho
filosófico.
A experiência
humana é a fonte do conhecimento reflexivo entendido como filosofia. Esta
experiência poderia ser do homem com ele mesmo (subjetividade) ou dele com o
mundo (objetividade). Daí filosofia poder partir de aspectos da subjetividade
ou de aspectos da objetividade. Os primeiros filósofos gregos partiram da
objetividade. Afinal, eles foram impactados pelo “espanto” enquanto observavam
o mundo ao seu redor. Eles ficaram espantados e interessados por duas coisas.
Primeiro, eles estavam muito impressionados com a diversidade e a unidade
presentes no universo. Eles observaram que as coisas ao seu redor eram
incrivelmente diversas; mas, ao mesmo tempo eles também observaram que existia
uma unidade básica no interior de toda essa diversidade. Segundo, eles estavam
maravilhados pelo fato das coisas se transformarem no mundo. Eles anunciaram
que as coisas estão constantemente se transformando; mas, ao mesmo tempo eles
observaram que existia uma continuidade básica no meio dessas mudanças. Daí
eles observaram que o universo combinava unidade com diversidade e continuidade
com mudanças. Este foi o fenômeno estabelecido pelos primeiros filósofos gregos
como objeto de investigação. Portanto, as maravilhas do universo físico levaram
os primeiros filósofos gregos à filosofar. De fato, fenômenos como a imensidão
do espaço, a imensidão do universo, a incrível variabilidade das coisas, a
ideia de tempo, a ininterrupta transformação do mundo ao nosso redor, a
continuidade presente nessas mudanças, a unidade básica no meio da diversidade,
as estações do ano, os corpos celestes e seus movimentos circulares, o céu estrelado,
o sol, a lua, etc. tem motivadas profundas reflexões filosóficas sobre o mundo.
Na sua Crítica da razão prática, Kant registrou que duas coisas, o
colocaram em contato com o espanto, a saber: o céu estrelado e a lei moral.
Mas, como já
foi dito, o filosofar também pode começar a partir da condição humana. Daí o
homem consigo mesmo ser alvo de uma investigação filosófica tão rica quanto a
que se debruça sobre o universo físico. A brevidade da vida, suas vicissitudes,
a superioridade humana sobre o resto da natureza sob seu controle e domínio,
seu poder e sua fraqueza, sua alegria, seu pesar, sucessos e fracassos, sua
finitude, sua experiência de sofrimento, desventura, doença, morte e
decadência, grandeza e miséria do ser humano etc. tem conduzido para reflexão
filosófica sobre toda a realidade. A filosofia de Buda, por exemplo, surgiu de
uma reflexão sobre o sofrimento humano. Reflexão sobre este fenômeno da
existência que levanta algumas questões básicas sobre a natureza humana. Que
tipo de ente é o ser humano tão poderoso e tão fraco, tão grandioso e tão
miserável? Hoje, ele pode ser forte e poderoso; amanhã, ele deixa de ser forte
e poderoso e isto é o seu fim. O ser humano tem um tempo natural de existência,
seu instinto mais forte é o instinto de auto-preservação – seu desejo de
permanecer vivo. Apesar de expectativa de vida ser breve e frequentemente se
esgotar antes do “tempo” e contra os seus desejos mais profundos, todos os seus
esforços para resistir ao fim imponderável são inúteis. O ser humano tem um
forte desejo de saber, ele é curioso por natureza; apesar do seu conhecimento
ser tão limitado que ele sequer conheça a si mesmo. Ele não sabe porque existe
e não possui respostas sobre questões básicas a respeito de si mesmo. Ele não
escolheu vir para este mundo, simplesmente se descobriu no mundo sem saber o porquê,
e cedo ou tarde será forçado a deixar o mundo. Como tudo que existe no universo
o ser humano simplesmente aparece e finalmente desaparece. “Que quimera é o homem!
” Exclama Pascal, um caos, um sujeito em contradição. Portanto, o homem é um
problema para si mesmo, um mistério. Qual é a sua origem? Qual é o seu destino
final? O que acontece quando ele é forçado a deixar a existência? Ele é parte
integrante da natureza ou ele transcende a natureza? Existe entre ele e os
outros animais diferença de grau ou de natureza? Para que ele vive? Qual é o
sentido último da vida? Existe uma força sobre-humana que controla tudo? Se
esta força existe, ela pode ser conhecida? Estas e outras interrogações
semelhantes são questões fundamentais sobre a condição humana. Os seres humanos
teem se direcionado para reflexões sobre toda a realidade. Refletir sobre uma
dessas questões, buscar explicações e respostas é filosofar. Não existe uma
parte do mundo onde as pessoas nunca tenham refletido acerca de questões
básicas da condição humana ou sobre o universo físico. Em outras palavras, não
existe nenhum lugar no mundo onde os seres humanos não tenham filosofado. A
inclinação para refletir sobre questões filosóficas fundamentais faz parte da
natureza humana; esta tendência está na raiz do instinto natural de curiosidade
do homem – o instinto de saber.
Natureza humana
e experiência humana são basicamente a mesma coisa em todo o mundo, a tendência
para filosofar é constitutiva da natureza humana. Daí o filósofo alemão Karl
Jaspers ter dito que “o homem não pode evitar filosofar” (Jaspers, 1974, p.1).
Em certa medida, num sentido genérico, todo ser humano é filósofo, na medida de
que uma ou outra vez na vida, reflete sobre questões filosóficas fundamentais
acerca da existência ou do universo físico. Por exemplo, nos funerais ou na
hora da morte física ou do sofrimento, doença, dor, miséria, etc., os homens
ficam aptos a refletir sobre o sentido da vida. Contudo, no sentido estrito do
termo, um filósofo é alguém que dedica uma parte significativa do seu tempo
para regularmente refletir sobre essas questões. Essas pessoas existem no mundo
todo e podem ser encontradas entre todos os povos, em todas as civilizações e
em toda parte do planeta. Não é apenas no mundo ocidental que as pessoas refletem
sobre questões fundamentais acerca da existência e do universo. Em qualquer
civilização existiam aqueles que estavam tomados pelo “espanto” e maravilhados
com as complexidades do ser humano e do universo físico. Pessoas que
regularmente dedicavam muito tempo refletindo sobre questões fundamentais que
surgiam desse encantamento com a realidade ou de sua complexidade, eram os
filósofos dessas civilizações. Não é necessário empregar os princípios
aristotélicos ou russerlianos na atividade reflexiva para que ela possa ser
considerada filosófica. Ela não precisa seguir os mesmos parâmetros dos
pensadores ocidentais. A habilidade para refletir de modo lógico e coerente faz
parte da racionalidade humana. A capacidade de pensar logicamente e de
raciocinar são a mesma coisa. Com efeito, é falso afirmar que esse ou aquele
povo não pode pensar logicamente ou empregar a razão de modo coerente porque
não usa uma argumentação tipicamente ocidental baseada na lógica aristotélica
ou russerliana. Algumas pessoas, educadas dentro da tradição filosófica
ocidental, afirmam que não existe filosofia e nem atividade filosófica fora da
filosofia e do método ocidental de filosofar, tal como eles denominam
“tecnicamente”. No seu livro Introdução à filosofia ocidental, o professor
Antony Flew diz que filosofia consiste em argumentos “sempre, do início ao fim”
e desde que não há argumentos no pensamento oriental (ou conforme ele pensa)
por consequência não existe filosofia no pensamento oriental. De modo similar,
referem-se à tradição filosófica africana. Professor Wiredu escreveu: “sem
argumento e clarificação, não existe filosofia no sentido estrito do termo”
(Wiredu, 1980, p.47). Conforme Wiredu, a tradição filosófica africana só pode
ser considerada filosofia no sentido amplo do termo. O professor Wiredu é bem
versado em filosofia ocidental, especificamente na tradição analítica
anglo-saxã onde a filosofia é delimitada pela lógica, análise sistemática e
clarificação dos termos. Esta é a impressão deixada por seus textos. Ele é
certamente um dos filósofos africanos contemporâneos que contribui
significativamente com a filosofia africana. Contudo, quando ele diz que sem
argumentação e clarificação não há filosofia, tecnicamente falando, ele
identifica filosofia com uma argumentação tipicamente ocidental. Em outras
palavras, ele quer dizer que se a atividade reflexiva não estiver baseada na
argumentação e clarificação típicas do pensamento ocidental (recomendado pela
tradição analítica anglo-saxã), ela não é filosofia. Em primeiro lugar, a
essência da filosofia não é o argumento; mas, a reflexão, o que faz com que não
tomemos a argumentação tipicamente ocidental como padrão para a filosofia. Em
qualquer lugar existe reflexão acerca das questões fundamentais sobre o ser
humano e o mundo (seja qual for a forma de reflexão empreendida), isto é,
filosofia.
Nós devemos
distinguir entre filosofia e os modos de transmiti-la e preservá-la. Reflexões
filosóficas podem ser preservadas e transmitidas de diversas maneiras. De
longe, a melhor maneira de preservar e transmitir a filosofia é através da
escrita, na forma de livros. As vantagens deste modo de preservação são enormes
não somente porque as reflexões são preservadas e transmitidas sem alterações;
mas, porque os filósofos teem seus trabalhos preservados, transmitidos e eles
são reconhecidos como autores e pensadores individuais. Deste modo é possível
saber quais são as ideias originais e pontos de vista de cada autor, seja
através de seus textos ou de textos sobre eles (tal como no caso de homens como
Buda, Sócrates e Jesus Cristo que não deixaram nenhum texto escrito). O mundo
ocidental tem sido beneficiado desde que a escrita surgiu na antiguidade e
tornou possível preservar substancialmente as reflexões desses filósofos. Com
efeito, podemos falar a respeito de Sócrates, Platão, Aristóteles, Kant, Hegel
etc. Mas, quem pode dizer que outras civilizações não tinham seus próprios
filósofos: Quem pode dizer que homens de outras civilizações não pensam, não
refletem sobre questões básicas sobre a condição humana e o universo? Homens do
mundo ocidental não são os únicos abençoados com racionalidade, com
inteligência, com pensamento e com instinto de curiosidade. Todos esses
elementos são característicos da natureza humana e são encontrados em todos os
povos do planeta. Todas civilizações e todos os povos teem os seus próprios
filósofos – seu próprio Sócrates, seu próprio Platão, seu próprio Descartes,
seu próprio Hegel, etc. A África não pode ser uma exceção. Infelizmente, devido
a ausência de registros escritos nos últimos tempos, as reflexões filosóficas
de pensadores africanos não teem sido preservadas efetivamente.
De fato as
reflexões filosóficas de pensadores africanos não foram preservadas ou
transmitidas através de relatos escritos; a verdade é que esses filósofos
permanecem desconhecidos para nós. Porém, isso não significa que eles não
tenham existido; nós temos fragmentos de suas reflexões filosóficas e suas
perspectivas foram preservadas e transmitidas por meio de outros registros escritos
como mitos, aforismos, máximas de sabedoria, provérbios tradicionais, contos e,
especialmente, através da religião. Isto quer dizer que apresentado na forma
escrita, o pensamento pode ser entendido como um sistema, não somente como um
conhecimento transmitido de uma geração para outra. Além das mitologias,
máximas de sabedoria e visões de mundo, o conhecimento pode ser preservado e
reconhecido na organização político-social elaborada por um povo. São esses os
meios através do qual as reflexões e perspectivas dos filósofos africanos teem
sido preservadas e transmitidas para nós na África. Portanto, estas reflexões e
pontos de vista teem transformado, ao longo dos anos durante o processo de
transmissão, parte do modo de vida africano, da cultura e patrimônio africanos.
Porém, os autoresde perspectivas originais e individuais permanecem
desconhecidos para nós. Ainda que nós saibamos que essas perspectivas teem sido
fruto de profundas e interessantes reflexões de alguns pensadores africanos no
passado. Onde há fumaça, deve existir fogo. Mesmo quando o fogo não pode ser
visto. Os fragmentos das reflexões filosóficas, ideias e visões de mundo
transmitidas para nós por intermédio de aforismos, máximas de sabedoria,
através de provérbios, contos, organizações político-sociais, por meio de
doutrinas e práticas religiosas não podem vir do nada. Eles são evidências de
profundas reflexões filosóficas de alguns talentosos pensadores que eram
filósofos africanos no passado, os africanos contemporâneos de Sócrates,
Platão, Aristóteles, Kant, Hegel etc. O professor Wiredu chama a filosofia
africana tradicional de “pensamento de comunidade” e diz que “ele não é criação
especifica de um filósofo” (Wiredu, 1980, p.46-47). Ele afirma que esse
pensamento é propriedade comum e pertence a toda a humanidade. O professor
Wiredu quer dizer que estas ideias, insights, estas visões de mundo etc. não
foram produzidas por pensadores individualmente?
Nós sabemos que
não há algo como consciência coletiva ou consciência comunitária no sentido
estrito do termo. Por consciência entendemos sempre uma consciência individual
e pensamentos sempre são de indivíduos. A expressão “pensamento coletivo” não
pode significar outra coisa além de pensamento de indivíduos numa comunidade. A
filosofia tradicional africana surgiu a partir de pensadores individuais,
filósofos que refletiram sobre questões fundamentais que surgiram da
experiência humana. Professor Wiredu diz que elas são propriedades de todos;
mas, isso não que elas foram produzidas por todos. Pensamentos e ideias
transmitidos por pensadores eventualmente se transformam em propriedade comum.
Mas, isto não significa que esses pensamentos não tenham sido elaborados por
autores individuais. Vamos tomar como exemplo, o conceito akaniano da essência
humana descrito por W.E. Abraham (1962, p.59-61) e Wiredu (1980, p.47).
Conforme a tardição do pensamento Akan, a pessoa humana foi feita por cinco elementos:
(1)nipadu – um corpo;
(2) okra – uma
alma, um guia espiritual;
(3) sunsum – a
parte de uma pessoa que é responsável pelo seu caráter;
(4) ntoro –
aquela parte que advém do pai, base das características hereditárias;
(5) mogya –
aquela parte da pessoa que se transforma em fantasma após a morte, herdada da
mãe e que determina a identidade do clã da pessoa.
Sem dúvida,
este é um conceito altamente complexo de ser humano que é obviamente fruto de
uma profunda e balizada reflexão sobre a condição humana. Se possuímos uma
reflexão culminando nesta complexa noção de humanidade devemos ser levados a
identificar pensadores singulares na nação Akan. Embora este conceito de humanidade
tenha se tornado uma noção comum e propriedade de todos os akanianos; não quer
dizer que o conceito tenha sido produzido por todos ou vindo do nada. Os
autores eram filósofos akanianos e em algum momento do passado, suas ideias
passaram a constituir parte da herança cultural da nação Akan. Esses filósofos
akanianos evidentemente refletiram sobre a natureza humana e suas teorias são
frutos de reflexões pessoais. O fato de não sabermos quem eram esses filósofos
não significa que eles não existiram. O conceito akaniano de filosofia é muito
mais rico e mais complexo do que muitos que encontramos na filosofia ocidental.
É evidente que esse conceito tem seus autores singulares. Esses autores eram o
Sócrates, o Platão, o Descartes etc. do povo akaniano. Professor Wiredu também
diz que o pensamento folclórico consiste em assertivas frágeis sem suporte
argumentativo (Idem). Nós sabemos que não eram assertivas gratuitas, para os
autores dessas ideias e perspectivas existiam razões para abraçar e desenvolver
suas ideias. Eles não faziam afirmações sem fundamento, elas eram frutos de
reflexões e as conclusões eram resultados de processos de raciocínio. Esses
pensadores africanos não desenvolveram suas perspectivas sem razõessem
reflexões para fundamentar as questões. Eles, apenas, não apresentaram seus
raciocínios nos moldes do silogismo aristotélico ou da lógica de Russel, mas é
óbvio que eles postularam suas ideias racionalmente. Por exemplo, quando eles
sustentavam a perspectiva da reencarnação, sem dúvida, eles seguiram
raciocínios específicos antes de apresentar as conclusões. Eles devem ter
observado as pessoas sistematicamente, sabendo que elas morriam e renasciam
depois. Eles defenderam que determinados traços de personalidade no passado
eram reparados no futuro. Refletiram sobre este fenômeno antes de chegarem à
conclusão de que alguns aspectos do ser humano renasciam após a morte.
Observações e reflexões similares permitiu aos filósofos akanianos sustentar
que a pessoa humana é composta pelos cinco elementos anteriormente descritos.
Portanto, filósofos africanos passaram por processos de observação, raciocínios
e reflexões antes de obterem ideias, perspectivas e visões de mundo transmitidas
para nós através de máximas, contos, mitos, organizações sociopolíticas,
doutrinas religiosas, etc.
Agora, como nós
encontramos os processos que fizeram com que esses filósofos africanos
sustentassem suas ideias? Como podemos descobrir as razões de suas ideias,
pontos de vista e doutrinas que nos foram transmitidas? Numa cultura em que a
filosofia é preservada nos livros, essa tarefa é mais fácil. Por exemplo, se
você quer saber porque Platão sustentou que a alma é imortal, tudo que você
precisa fazer é ler o Fédon. Porém, numa cultura em que a filosofia foi
preservada na memória através de máximas de sabedoria, provérbios, contos,
mitos, religião, etc. passando geração após geração; as pessoas mais velhas
podem nos ajudar (desde que estejam próximas, são a fonte para encontrarmos
esses pensadores originais). Desde que a filosofia foi preservada, através da
memória ou dos livros; a memória dos anciões deve servir para descobrirmos as
razões que são as bases do que nos foi transmitido. Com efeito, a memória dos
anciões pode estar no lugar dos livros. Na cultura ocidental a pesquisa é
normalmente feita na biblioteca, na situação peculiar da tradição filosófica
africana o trabalho de campo é indispensável nas pesquisas. Este trabalho de
campo tem como propósito reconstruir os processos de raciocínio que foram
responsáveis pelas ideias que chegaram até nós, através de entrevista com os
anciãos. Em outras partes do mundo, se você quer saber a filosofia de um povo,
diz o professos Wiredu: “você não deve se reportar aos velhos camponeses, aos
sacerdotes ou personalidades da corte; mas, aos pensadores em pessoa ou textos”
(Wiredu, 1980, p.47-48). No caso da tradição filosófica africana, a memória dos
anciãos ou personalidade da corte é de imensa ajuda. A tradição filosófica
africana não é apenas a filosofia da África na antiguidade. Africanos
contemporâneos também filosofam. Portanto, estou de acordo com o professor
Wiredu que diz que a expressão “filosofia africana” não deve ser compreendida
somente em termos de filosofia africana tradicional desde que existem filósofos
africanos contemporâneos (Idem, p. XI). Existem filósofos africanos assim como
existe filosofia africana contemporânea. O que significa que a filosofia
africana não deve ficar restrita à filosofia tradicional, devemos incluir
filósofos africanos contemporâneos como Kwame Nkrumah, Leopold S. Senghor,
Nyerere e Kwasi Wiredu. Os três primeiros são pessoas públicas que teem
contribuído imensamente com a filosofia política africana contemporânea, o
último nome, Kwasi Wiredu, é um filósofo acadêmico, professor de filosofia. Sem
dúvida, existem outros filósofos em departamentos de filosofia por toda a
África.
Professor
Wiredu observa que filósofos africanos contemporâneos dedicam muito tempo de
suas pesquisas à questões acerca da filosofia africana, distinguindo o que
caracteriza a filosofia africana. Ele entende que é preciso chegar num estágio
de ir além de debates sobre filosofia africana e começar a fazê-la
(Ibidem). De acordo com o professor Wiredu, é preciso começar a trabalhar e
desenvolver duas teses filosóficas. Primeira, verdade não é nada mais do que
opinião. Segunda, ser é ser conhecido. A primeira tese, a saber de que a
verdade não difere da opinião, tem sido criticada por outro filósofo africano Dr.
Oruka. Professior Wiredu tem divergido dessa e de outras críticas (Idem, p.
174). Wiredu recusa qualquer distinção entre verdade e opinião, defendendo que
“a verdade não é distinta da opinião” (Idem, p. 114). Ele diz que a experiência
do senso comum parece sinalizar que a verdade é algo distinto da opinião.
Algumas vezes, sustentamos algumas opiniões como verdadeiras, porém, mais tarde
descobrimos que estávamos errados. De fato, o senso comum faz distinção entre
verdade opinião. A verdade tem sido percebida como algo independente, uma
realidade objetiva, categoricamente distinta da opinião (Ibidem). Wiredu
denomina isto de perspectiva objetiva da verdade, conforme esta noção a verdade
está fora do tempo, tem caráter eterno e permanece imutável enquanto as
opiniões se transformam. Ele rejeita esta perspectiva objetiva da verdade com
base na ideia de que “se verdade é categoricamente diferente de opinião, quando
algo é verdadeiro, se assemelha a um princípio lógico, indemonstrável” (Idem,
p.115). “Tudo que é alegado sobre a verdade é meramente uma opinião
desenvolvida a partir de um ponto de vista específico; categoricamente
diferente da verdade. Com efeito, afirmar que o conhecimento verdadeiro é
distinto da opinião é uma noção contraditória em si mesma” (Ibidem). Portanto,
conforme Wiredu, a teoria objetiva da verdade implica na sua
indemonstrabilidade. Mas, isto é, uma divergência com o senso comum. Afinal,
algumas vezes sabemos que determinadas proposições são verdadeiras. “Portanto,
a teoria objetiva deve estar incorreta” (Ibidem). Wiredu afirma que o “ponto de
vista” é um elemento intrínseco ao conceito de verdade, porque verdade sempre é
verdade de um ponto de vista. Wiredu simplesmente identifica “ponto de vista”
com “opinião” e afirma que desde que a verdade é sempre verdade de um ponto de
vista, segue que a verdade não passa de opinião. “Verdade está sempre ligada a
um ponto de vista, isto é, verdade é a perspectiva de um ponto. Existem muitas
verdades tanto quanto muitos pontos de vista” (Ibidem).
Eu não posso
subscrever essa teoria subjetiva da verdade que não distingue verdade de
opinião. “Verdade é a mesma coisa que opinião” (Idem, p.114). Verdade não é
idêntica à opinião. Verdade é objetiva, enquanto opinião é sempre subjetiva.
Opinião é sempre a opinião de alguém, uma perspectiva subjetiva de algo, mas
não podemos dizer que verdade é a verdade de alguém. Wiredu tenta desconstruir
a diferença entre subjetividade e objetividade ou reduzir objetividade à
subjetividade de modo que a objetividade desapareça. Porém, se objetividade
desaparecer e for subsumida à subjetividade. Nós não poderíamos debater acerca
da subjetividade, porque não existiria a distinção característica que torna a
subjetividade possível, o contraste com a objetividade. Isto se aplica à
verdade (objetividade) e opinião (subjetividade). Se, tal como Wiredu defende,
a verdade não é nada além de opinião, nesse caso a poinião perderia o seu
significado, o qual só pode ser obtido em contraste com a verdade. A assertiva
de Wiredu de que existem muitas verdades assim como muitos pontos de vista,
afirmando que todo ponto de vista equivale uma verdade, é totalmente falsa.
Wiredu identifica implicitamente “ponto de vista” com “verdade”. Mas, de fato,
eles não são idênticos. Opinião é sempre subjetiva; mas, ponto de vista pode
ser objetivo. Não faz sentido falar em “opinião objetiva” desde que opinião é
sempre subjetiva; mas, podemos falar de um “ponto de vista objetivo” ou de
“perspectiva da objetividade”. Consequentemente, mesmo que o aspecto do ponto
de vista seja intrínseco ao conceito de verdade, ela não poderia ser descrita
como nada além de opinião. Outra tese de Wiredu é a de que “existir é ser
conhecido”. Do mesmo modo que o ponto de vista é um elemento intrínseco ao
conceito de verdade, o conceito de conhecimento também é intrínseco ao conceito
de ser e existência. Dizer que um objeto existe, argumenta Wiredu, é afirmar
que o termo em questão se refere a um objeto. “Existir significa que um dado
termo “x” equivale a algum objeto” (Idem, p.127). Portanto, dizer “x” existe é
dizer que existe referência. Evidente que isto é sem argumentar, diz Wiredu,
que não podemos alegar que o termo “x” se refere a algum ente enquanto não
conhecemos nada sobre o ente em questão. De onde segue que alegar ou dizer que
um objeto existe implica em ter algum conhecimento sobre o objeto. Por fim,
existir é ser conhecido.
Novamente, não
posso subscrever esta tese. A semelhança entre está tese e a de Berkeley (que
existir é ser percebido) é óbvia. Wiredu declara que a tese de Berkeley é
irrefutável (Idem, p.114), e que sua tese é tão somente outra forma da tese de
Berkeley. Afirmar que existir é ser conhecido, tal como Wiredu faz, implica em
que a existência de um objeto dependa do conhecimento do ser do objeto. Mas,
está não pode ser a razão, porque o conhecimento sempre pressupõe um objeto que
seja anterior e independente de seu conhecimento. O ato de conhecer é uma
atividade voltada para um objeto, o que pressupõe que o objeto de conhecimento
exista antes e seja independente da atividade de conhecimento que lhe é
direcionada. Não é a atividade de conhecimento que constitui o ser do objeto.
Nada pode ser conhecido, a menos que exista a priori e independentemente da
ação de conhecimento. Objetos existem primeiro e antes da atividade de
conhecimento que é endereçada para eles, logo, o ponto de partida são os objetos
de conhecimento. Existir não pode significar ser conhecido. É verdade que não
podemos assegurar que um objeto existe sem conhecermos o objeto em questão,
mas, isto não faz que a existência do objeto dependa do nosso conhecimento
sobre ele. Conhecer um objeto é fazer com que o objeto seja alvo de nosso
conhecimento, implicando certamente que o objeto exista antes e
independentemente de nosso conhecimento sobre ele.
African
Philosophy : Yesterday and Today in
African Philosophy: an Anthology by Emmanuel Chukwudi Eze,
Massachusetts/Oxford, Blacwell Publishers,1998.
Referências
Bibliográficas
ABRAHAM, W.E. TheMind
of Africa, University of Chicago Press, 1962.
ARISTOTLE, Metaphysics,
Harvard University Press, 1980.
BRITTON, K. Philosophy and the Meaning of Life, Cambridge
University Press, 1969.
JASPERS, K. Introduction à la Philosophie,
Librarie Plon, 1974.
WIREDU, K. Philosophy and an African Culture, Cambridge
University Press, 1980.
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