sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Homem, conhece a ti mesmo...


Nos meus próximos post estarei colocando textos de aulas que tive quando da especialização em Ciências das Religiões, em alguns casos citarei os autores, mas em outros declinarei devido os mesmos serem um compilado da própria aula. Acredito que desta forma estarei ajudando a aqueles que possuem vontade em apreender e por um motivo qualquer estão impossibilitados, espero que gostem!
O Mito
É necessário deixar bem claro, nesta tentativa de conceituar o mito, que o mesmo não tem aqui a conotação usual de fábula, lenda, invenção, ficção, mas a acepção que lhe atribuíam e ainda atribuem as sociedades arcaicas, as impropriamente denominadas culturas primitivas, onde mito é o relato de um acontecimento ocorrido no tempo primordial, mediante a intervenção de entes sobrenaturais. Em outros termos, mito, é o relato de uma história verdadeira, ocorrida nos tempos dos princípios, quando com a interferência de entes sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o cosmo, ou tão somente um fragmento, um monte, uma pedra, uma ilha, uma espécie animal ou vegetal, um comportamento humano. Mito é, pois, a narrativa de uma criação: conta-nos de que modo algo, que não era, começou a ser.
De outro lado, o mito é sempre uma representação coletiva, transmitida através de várias gerações e que relata uma explicação do mundo. Mito é, por conseguinte, a parole, a palavra "revelada", o dito. E, desse modo, se o mito pode se exprimir ao nível da linguagem, "ele é, antes de tudo, uma palavra que circunscreve e fixa um acontecimento". "O mito é sentido e vivido antes de ser inteligido e formulado. Mito é a palavra, a imagem, o gesto, que circunscreve o acontecimento no coração do homem, emotivo como uma criança, antes de fixar-se como narrativa".
O mito expressa o mundo e a realidade humana, mas cuja essência é efetivamente uma representação coletiva, que chegou até nós através de várias gerações. E, na medida em que pretende explicar o mundo e o homem, isto é, a complexidade do real, o mito não pode ser lógico: ao revés, é ilógico e irracional. Abre-se como uma janela a todos os ventos; presta-se a todas as interpretações. Decifrar o mito é, pois, decifrar-se. E, como afirma Roland Barthes, o mito não pode, conseqüentemente, "ser um objeto, um conceito ou uma idéia: ele é um modo de significação, uma forma". Assim, não se há de definir o mito "pelo objeto de sua mensagem, mas pelo modo como a profere".
É bem verdade que a sociedade industrial usa o mito como expressão de fantasia, de mentiras, daí mitomania, mas não é este o sentido que hodiernamente se lhe atribui.
O mesmo Roland Barthes, aliás, procurou reduzir, embora significativamente, o conceito de mito, apresentando-o como qualquer forma substituível de uma verdade. Uma verdade que esconde outra verdade. Talvez fosse mais exato defini-lo como uma verdade profunda de nossa mente. É que poucos se dão ao trabalho de verificar a verdade que existe no mito, buscando apenas a ilusão que o mesmo contém. Muitos vêem no mito tão-somente os significantes, isto é, a parte concreta do signo. É mister ir além das aparências e buscar-lhe os significados, quer dizer, a parte abstrata, o sentido profundo.
Talvez se pudesse definir mito, dentro do conceito de Carl Gustav Jung, como a conscientização de arquétipos do inconsciente coletivo, quer dizer, um elo entre o consciente e o inconsciente coletivo, bem como as formas através das quais o inconsciente se manifesta.
Compreende-se por inconsciente coletivo a herança das vivências das gerações anteriores. Desse modo, o inconsciente coletivo expressaria a identidade de todos os homens, seja qual for a época e o lugar onde tenham vivido.
Arquétipo, do grego "arkhétypos", etimologicamente, significa modelo primitivo, idéias inatas. Como conteúdo do inconsciente coletivo foi empregado pela primeira vez por Yung. No mito, esses conteúdos remontam a uma tradição, cuja idade é impossível determinar. Pertencem a um mundo do passado, primitivo, cujas exigências espirituais são semelhantes às que se observam entre culturas primitivas ainda existentes. Normalmente, ou didaticamente, se distinguem dois tipos de imagens:
a) imagens (incluídos os sonhos) de caráter pessoal, que remontam a experiências pessoais esquecidas ou reprimidas, que podem ser explicadas pela anamnese individual;
b) imagens (incluídos os sonhos) de caráter impessoal, que não podem ser incorporados à história individual. Correspondem a certos elementos coletivos: são hereditárias.
A palavra textual de Jung ilustra melhor o que expôs: "Os conteúdos do inconsciente pessoal são aquisições da existência individual, ao passo que os conteúdos do inconsciente coletivo são arquétipos que existem sempre a priori.
Embora se tenha que admitir a importância da tradição e da dispersão por migrações, casos há e muito numerosos em que essas imagens pressupõem uma camada psíquica coletiva: é o inconsciente coletivo. Mas, como este não é verbal, quer dizer, não podendo o inconsciente se manifestar de forma conceitual, verbal, ele o faz através de símbolos. Atente-se para a etimologia de símbolo, do grego "sýmbolon", do verbo "symbállein", "lançar com", arremessar ao mesmo tempo, "com-jogar". De início, símbolo era um sinal de reconhecimento: um objeto dividido em duas partes, cujo ajuste e confronto permitiam aos portadores de cada uma das partes se reconhecerem. O símbolo é, pois, a expressão de um conceito de eqüivalência. Assim, para se atingir o mito, que se expressa por símbolos, é preciso fazer uma eqüivalência, uma "con-jugação", uma "re-união", porque, se o signo é sempre menor do que o conceito que representa, o símbolo representa sempre mais do que seu significado evidente e imediato.
Em síntese, os mitos são a linguagem imagística dos princípios. "Traduzem" a origem de uma instituição, de um hábito, a lógica de uma gesta, a economia de um encontro.
Na expressão de Goethe, os mitos são as relações permanentes da vida.
Se mito é, pois, uma representação coletiva, transmitida através de várias gerações e que relata uma explicação do mundo, então o que é mitologia?
Se mitologema é a soma dos elementos antigos transmitidos pela tradição e mitema as unidades constitutivas desses elementos, mitologia é o "movimento" desse material: algo de estável e mutável simultaneamente, sujeito, portanto, a transformações. Do ponto de vista etimológico, mitologia é o estufo dos mitos, concebidos como história verdadeira.
Quanto à religião, do latim "religione", a palavra possivelmente se prende ao verbo "religare", ação de ligar.
Religião pode, assim, ser definida como o conjunto das atitudes e atos pelos quais o homem se prendese liga ao divino ou manifesta sua dependência em relação a seres invisíveis tidos como sobrenaturais. Tomando-se o vocábulo num sentido mais estrito, pode-se dizer que a religião para os antigos é a reatualização e a ritualização do mito. O rito possui, "o poder de suscitar ou, ao menos, de reafirmar o mito".
Através do rito, o homem se incorpora ao mito, beneficiando-se de todas as forças e energias que jorraram nas origens. A ação ritual realiza no imediato uma transcendência vivida. O rito toma, nesse caso, "o sentido de uma ação essencial e primordial através da referência que se estabelece do profano ao sagrado". Em resumo: o rito é a praxis do mito. É o mito em ação. O mito rememora, o rito comemora.
Rememorando os mitos, reatualizando-os, renovando-os por meio de certos rituais, o homem torna-se apto a repetir o que os deuses e os heróis fizeram "nas origens", porque conhecer os mitos é aprender o segredo da origem das coisas. "E o rito pelo qual se exprime (o mito) reatualiza aquilo que é ritualizado: re-criação, queda, redenção". E conhecer a origem das coisas - de um objeto, de um nome, de um animal ou planta - "eqüivale a adquirir sobre as mesmas um poder mágico, graças ao qual é possível dominá-las, multiplicá-las ou reproduzí-las à vontade". Esse retorno às origens, por meio do rito, é de suma importância, porque "voltar às origens é readquirir as forças que jorraram nessas mesmas origens". Não é em vão que na Idade Média muitos cronistas começavam suas histórias com a origem do mundo. A finalidade era recuperar o tempo forte, o tempo primordial e as bênçãos que jorraram illo tempore.
Além do mais, o rito, reiterando o mito, aponta o caminho, oferece um modelo exemplar, colocando o homem na contemporaneidade do sagrado. É o que nos diz, com sua autoridade, Mircea Eliade: "Um objeto ou um ato não se tornam reais, a não ser na medida em que repetem um arquétipo. Assim a realidade se adquire exclusivamente pela repetição ou participação; tudo que não possui um modelo exemplar é vazio de sentido, isto é, carece de realidade".
O rito, que é o aspecto litúrgico do mito, transforma a palavra em verbo, sem o que ela é apenas lenda, "legenda", o que deve ser lido e não mais proferido.
À idéia de reiteração prende-se a idéia de tempo. O mundo transcendente dos deuses e heróis é religiosamente acessível e reatualizável, exatamente porque o homem das culturas primitivas não aceita a irreversibilidade do tempo: o rito abole o tempo profano, cronológico, é linear e, por isso mesmo, irreversível (pode-se "comemorar" uma data histórica, mas não fazê-la voltar no tempo), o tempo mítico, ritualizado, é circular, voltando sempre sobre si mesmo. É precisamente essa reversibilidade que liberta o homem do peso do tempo morto, dando-lhe a segurança de que ele é capaz de abolir o passado, de recomeçar sua vida e recriar seu mundo. O profano é tempo da vida; o sagrado, o "tempo" da eternidade.
A "consciência mítica", embora rejeitada no mundo moderno, ainda está viva e atuante nas civilizações denominadas primitivas: "O mito, quando estudado ao vivo, não é uma explicação destinada a satisfazer a uma curiosidade científica, mas uma narrativa que faz reviver uma realidade primeva, que satisfaz as profundas necessidades religiosas, aspirações morais, a pressões e a imperativos de ordem social e mesmo a exigências práticas. Nas civilizações primitivas, o mito desempenha uma função indispensável: ele exprime, exalta e codifica a crença; salvaguarda e impõe os princípios morais; garante a eficácia do ritual e oferece regras práticas para a orientação do homem. O mito é um ingrediente vital da civilização humana; longe de ser uma fabulação vã, ele é, ao contrário, uma realidade viva, à qual se recorre incessantemente; não é, absolutamente, uma teoria abstrata ou uma fantasia artística, mas uma verdadeira codificação da religião primitiva e da sabedoria prática".

domingo, 12 de agosto de 2012

O templo fala ao discípulo...




O templo fala ao discípulo...
Hoje ao acordar, recebi de meus filhos os parabéns pelo dia dos Pais,  apesar deles saberem que eu tenho estas datas comemorativas como apelativas ao consumo, sei que fizeram com o amor que lhes é próprio.
Como toda manhã procuro fazer uma reflexão, fiz um apanhado de minha convivência com  meu pai espiritual e minha caminhada junto a ele, e sendo assim, o que escrevo agora é parte de minha vida espiritual.
No início de 1979, fui convidado por um amigo a visitar um templo de Umbanda no bairro do Ipiranga, localizado a rua Agostinho Gomes na cidade de São Paulo. Cheguei por volta das 19:30 e aguardei a chamada para a consulta. Naquele dia ocorria uma gira de Caboclos e, apesar de não estar acostumado a frequentar terreiros, eu notei que tinha um médium que destoava das demais entidades, pois fazia seus atendimentos de joelhos, e também  tinha um nome diferente, chamava-se Chico Preto...
Fui designado a consultar com esta entidade, e neste momento foi um choque para mim, a entidade me contou detalhes de um sonho que eu tivera e disse que eu tinha um Caboclo das águas a me proteger e o mesmo queria trabalhar mediunicamente comigo.
Fui convidado a pertencer àquele templo/terreiro e por lá fiquei  seis meses. Em um determinado dia daquele ano, houve uma gira de Pretos-Velhos e para meu assombro, no final do rito, uma entidade de nome Pai Antonio me chamou e traçou no chão alguns sinais  pedindo que eu olhasse e comparasse  se no congá existia algum sinal parecido com aquele, eu disse que não e então ele me disse que eu não pertencia aquela casa e sim a uma casa que utilizava aqueles tipos de sinais.
Lógico que eu não entendia nada, mas o pai-velho me tranquilizou dizendo que eu falasse com seu "cavalo" e ele me orientaria.
Este rapaz conhecia o templo que o pai-velho dizia e em uma quarta-feira me levou a rua Lorde Cockrane no bairro do Ipiranga. Naquele endereço existia a Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino, dirigida pelo pai Rivas, o nosso mestre Arhapiagha.
Era um dia de aula interna e pude ouvir coisas interessantíssimas,  apesar de pouco entender daqueles assuntos. Ao final da aula, depois do mestre atender aos filhos da casa, foi ter conosco já em adiantado da hora (1:00 da madrugada)  e no corredor da casa, olhou para mim e disse: você tem o Caboclo 7 Cachoeiras e precisa vir no rito de atendimento (na sexta-feira), disse ainda que eu tinha perdido um irmão de acidente ...E tudo isso era verdade, pois perdi um irmão de acidente de automóvel em 1972. Naquela noite, fomos comer uma pizza na pizzaria do Pedrinho na rua Silva Bueno e depois de longos bate-papos, em estado de êxtase espiritual, reencontrei meu mestre de longa data.
Na sexta-feira de atendimento, estive presente e esperei para ser atendido por último pelo Caboclo Cobra Coral. Ao me levantar do banco e entrar na areia do congá, ele logo veio e, colocando a mão em minhas costas disse: vou tirar esta dor para você.  Eu estava com aquela dor há muito tempo e pude sentir a mesma desaparecer em segundos.
O Sr. Cobra Coral,  em conversa comigo, pediu que eu voltasse na próxima quarta-feira pois a mesma era de desenvolvimento mediúnico e ele precisaria fazer algumas coisas específicas, e que  naquele momento não poderia fazer. Lá voltei no dia combinado. Para meu espanto, ele me colocou de frente para a cruz e me fez ficar de joelhos, colocou as guias do mestre em minhas mãos e falou pela primeira vez meu nome iniciático - Ygbere, e que a partir daquele momento eu estava ligado novamente à corrente Astral de Umbanda.
Em 1980 a OICD foi transferida para o bairro da Água Funda na rua Chebl Massud, e lá pude iniciar meus trabalhos com as entidades que me acobertam e que, por uma necessidade cármica, logo passaram a fazer seus atendimentos através de mim.
Não quero estender muito meu texto, afinal falar de 34 anos de convivência, sendo 29 anos como iniciado, eu precisaria escrever um livro, mas acho necessário lembrar algumas passagens e que ilustram fidedignamente a presença de um mestre para seu discípulo...
 Em janeiro de 1981, tive um sonho e naquele sonho um mestre astral me passava alguns instrumentos de poder para que eu vencesse alguns obstáculos e que são comuns para uma iniciação superior, conforme palavras de meu mestre. No dia seguinte ao sonho, através de um telefonema, contei ao mestre  e o mesmo disse que falaria comigo depois. No dia seguinte, o mestre me telefonou e disse que o Pai  Moçambique ( o pai - velho que me acoberta) tinha ditado a ele algumas coisas e pedia para passar para mim. Com extrema ansiedade, própria do noviço, fui encontrá-lo em sua casa e, para meu total espanto, ele me entregou várias folhas escritas que continham toda a minha vida dali para frente, com as dificuldades que iria encontrar na saúde, no amor, no trabalhos e na vida espiritual. Mas como se  não  bastasse, ele dava os preceitos que eu deveria fazer na Natureza e os sinais riscados do trabalho, bem como o sinal do Pai Joaquim para vencer estas etapas. Naquele dia 10 de janeiro de 1981 ele me dava o 3º grau na iniciação.
Recebi minha cruz iniciática no meu 4º grau, em 17 de abril de 1983, e fui iniciado pelo mestre Arhapiagha depois de ter percorrido e vivenciado com ele aulas difíceis, mas necessárias a uma iniciação verdadeira, feitas por um Mestre consumado, fiel a sua linhagem e que possui muitas encarnações a frente das nossas, sempre trazendo luz a escuridão de nossos interiores.
Nestes anos todos, Mestre Arapiagha proporcionou a mim rituais e ensinamentos que marcaram para sempre. Como posso esquecer os ritos de Ashé, onde varávamos a noite louvando os Orixás? Como esquecer o sr. 7 Espadas que trouxe tantos ensinamentos e nos fez entender que por meio da disciplina alcançamos a naturalidade? E como esquecer seus ritos de Amacys, onde o integrante da casa tinha que passar por sete ritos, cada qual com a vibratória correspondente? Eu tive a grata felicidade de passar por todos os ritos e mais alguns dos outros integrantes, pois eu estava lá para preparar antecipadamente os materiais no sábado, que antecedia o rito, e ficávamos com o mestre em contemplação após tudo estar montado...
E a maior oportunidade de todas elas, conhecer o Vô Matta e Silva quando esteve por várias vezes na OICD, fazendo o casamento de um irmão da casa participando de uma gira de atendimento público com  o Caboclo e o Pai - Velho, entregando a pemba do Pai Guiné no aniversário do nosso mestre e estive presente na transmissão da raiz feita pelo Vô Matta e Silva em um ritual inesquecível...Que oportunidade única!
Estive também em Itacuruça com o mestre e pudemos conversar longamente com o mestre Yapacani, e que conversas... meninos eu vi!
Poderia escrever aqui muitas coisas que vivi, afinal já são 34 anos, mas acredito não ser necessário, pois apenas escrevi no intuito de lembrar aos que têm a alegria, o beneplácito, a oportunidade real de ter um Mestre, um Pai e um Amigo como eu tenho, com certeza estes saberão o que digo nestas poucas linhas.
Aos que continuam no caminho, perseverem, trabalhem e sejam dignos daquele que estendeu suas mãos sobre nossas cabeças.

Ashé Baba mi Ifatosho!

Longa vida ao Payé de Luz!

Longa vida ao Mestre Arhapiagha

Ygbere

P. S. Todos estes momentos que citei possuo documentos com data e hora.
  

sábado, 11 de agosto de 2012

A Questão do Mal: uma Abordagem Psicológica Junguiana




... Ao pisarem em terra firme, veio ao seu encontro (de Jesus) um homem da cidade, possesso de demônios [...] Para guardá-lo prendiam-no com grilhões e algemas, mas ele arrebentava as correntes [...]. Jesus perguntou-lhe: “Qual é o teu nome?”- “Legião”, respondeu...
                                   LUCAS 8, 27-30
1 – INTRODUÇÃO
O senso comum tende, na maioria das vezes, a fazer uma dicotomia em relação aos autores Sigmund Freud e Carl Gustav Jung quando se trata do fenômeno psicológico religioso. De um lado, coloca Freud “contra” a religião e considerando o fenômeno religioso com algo “patológico”. De outro, Jung, a “favor” da religião e, quem sabe, um tanto “místico”. Esta divisão, principalmente no que tange à Jung, nos parece um tanto superficial e equivocada. 

Indubitavelmente, Jung tem uma atitude muito mais positiva em relação às religiões. Contudo, não deixou também de apontar e reconhecer aspectos negativos no fenômeno religioso. Segundo suas observações, podemos ter experiências dentro de uma determinada religião de uma forma equivocada, onde esta é utilizada como um substitutivo de aspectos e vivências da psique (JUNG, 1983:58 e 71). Jung vê no fenômeno da experiência religiosa, uma vivência psicológica bastante significativa mas não nega que a mesma possa ser, por vezes, infantilizante ou deturpada.
O que mais nos chama a atenção ao lermos a vasta e complexa obra de Jung, é que quando ele trabalha a questão das religiões do ponto de vista psicológico, muitas vezes o faz de uma forma bem mais crítica que o próprio Freud. Suas colocações e elaborações teóricas são muito mais contundentes e profundas do que a visão do pai da Psicanálise. Esta contundência ocorre mesmo que ele veja a experiência religiosa como algo extremamente rico do ponto de vista psíquico, independentemente de qualquer denominação religiosa que ela ocorra – sendo que nem  sempre ela só ocorreria dentro de denominações religiosas.
Nesta contundência de Jung, uma das construções mais inquietantes de sua teoria psicológica acerca das religiões ocidentais, principalmente o Cristianismo, talvez seja sua abordagem em relação a questão do mal. O que gostaríamos de dividir com o leitor seriam justamente algumas considerações e desdobramentos das idéias de Jung sobre esta questão.
A problemática do mal sempre esteve presente na humanidade e certamente ainda não foi achada uma solução definitiva para ela. Para aqueles que acreditam nas doutrinas que falam das boas intenções, na caridade, na justiça e no absoluto de Deus, a questão do mal é perturbadora. Para outros, que não acreditam nestas doutrinas, assim mesmo o mal se manifesta igualmente perturbador. A dimensão do mal possui esta característica: é sempre perturbador para quem ele se apresenta. Ele é o que paralisa, que causa pânico, medo, destruição e temor. É aquele que não temos controle sobre ele, não sabemos o nome, não temos a certeza ou o conhecimento. Se apresenta sempre perturbador, e apesar de sempre se tentar, ninguém consegue evitá-lo.
Para lidar com esta questão do mal, o Cristianismo elaborou teologicamente a doutrina da Privatio Boni, que diz ser o mal uma privação do bem. Calcando esta doutrina está a do Summum Bonum, que diz que Deus é o sumo bem. Desta forma, o sumo bem só criou as coisas boas. As coisas más são as que se afastaram do bem ou onde o bem foi diminuído. Aqui o terrível e ameaçador  mal é diminuído e controlado para a tranqüilidade da consciência do ser humano.
Por ser tão perturbador, o mal foi isolado e negado tanto na Teologia (Privatio Boni) quanto no dia a dia das pessoas. Por ser tão perturbador, o mal foi eliminado como referencial maior tanto na Teologia (Summum Bonum) quanto no dia a dia das pessoas. Estas concepções teológicas estão tão arraigadas no senso comum que poderíamos dizer que do ponto de vista psicológico, e não só teológico, as doutrinas da Privatio Boni e do Summum Bonum fazem parte do nosso cotidiano. Acreditamos que esta concepção teológica seja quase onipresente devido a nossa marcada herança do cristianismo na nossa cultura ocidental.
O que estamos nos propondo neste artigo é analisar esta concepção cultural em relação ao mal para tentarmos buscar um novo ponto de vista. É importante deixar claro desde já que não se trata de propor uma nova Teologia e, muito menos ainda, de uma abordagem teológica. Mas sim, de uma abordagem psicológica Junguiana sobre estas doutrinas da Privatio Boni e do Summum Bonum.
Queremos mostrar que se, em nível psicológico e não teológico, houver uma manutenção polarizada da consciência baseada exclusivamente nestas doutrinas, haverá uma paralisação do processo de maturação psicológica que Jung chamou de individuação.
Queremos também apontar que há uma necessidade psicológica de ver o mal com outros olhos, de uma maneira mais compreensiva. E que também, em nível psicológico, a imagem psicológica de Deus como o Summum Bonum é limitada e prejudicial à psique.    

Para evitar possíveis enganos, é importante frisar mais uma vez que este artigo de psicologia Junguiana não se trata de uma crítica teológica e muito menos uma apologia do Mal.
Na primeira parte, há uma tentativa de perceber como é a visão das doutrinas do Summum Bonum e da Privatio Boni. Pedimos compreensão do leitor se, por vezes, esta parte lhe parecer árida. Além da teologia não ser nossa área, esta aridez se fez necessária à medida em que queremos demonstrar o quão marcantes são estas duas doutrinas ao longo da História do Cristianismo. Para facilitar tal percepção, fizemos um breve levantamento das obras de teólogos de diferentes épocas e, na medida do possível, em uma ordem cronológica.

Na conclusão, há a tentativa de se apontar, numa perspectiva psicológica, que o problema do mal não está no mal, mas na polarização da consciência naquilo que ela acredita ser o bem.
2 – SUMMUM BONUM E PRIVATIO BONI: UMA ABORDAGEM TEOLÓGICA SOBRE O MAL
No início, o pensamento teológico cristão foi orientado à natureza de Cristo, de como Ele “salvou o homem e ao relacionamento de Cristo com Deus Pai”[2].
             
A cristologia ocupou quase que totalmente o pensamento da Teologia Cristã e a questão do mal não foi resolvida. Desta forma, ainda hoje não conhecemos nada de definitivo sobre a natureza do mal, dentro do cristianismo, como também são raras as declarações de alguma doutrina oficial com relação à problemática do mal[3].
Apesar de não haver nas igrejas cristãs uma concentração na problemática do mal, esta não foi deixada de lado. Ao contrário, sempre esteve presente entre os teólogos cristãos, independentemente de época, autor ou influência filosófica.
              
Não vamos colocar todas as abordagens sobre a questão do mal, ao contrário, tentaremos ver as duas grandes doutrinas que a Teologia Cristã advoga com grande aceitação. 
Ao tratar sobre as relações e as questões da dimensão do mal, estas duas doutrinas se mesclam e se interligam. Estamos nos referindo às doutrinas do Summum Bonum e da Privatio Boni.
A primeira, Summum Bonum, é uma concepção de que Deus é totalmente bom, que é o sumo bem[4]. A segunda, Privatio Boni, coloca o mal à ausência ou à diminuição do bem do Deus totalmente bom[5].
O aparecimento da doutrina do Summum Bonum tem origem em um passado muito distante, mas isso não impediu, a nosso ver, que ela tenha sido a razão e a origem do conceito da Privatio Boni[6].
O conceito da Privatio Boni, ligado ao de Summum Bonum, encontra seu ápice em Basílio Magno (330-379), em Dionísio Areopagita (segunda metade do século IV) e em Agostinho[7]. O que não significa, como veremos, que antes ou depois destes teólogos tais conceitos não existissem e influenciassem a Teologia Cristã.
Taciano, já no século II, afirmava que “nada de mal foi criado por Deus; nós é que praticamos toda espécie de injustiças”[8]. Dessa forma, Taciano antevê um princípio formulado depois, que “todo bem procede de Deus e todo mal provém do homem”[9]. Consoante a opinião de Taciano, também se encontra Teófilo de Antioquia no século II[10].
Orígenes, no século III, pelo menos de maneira implícita, já está comprometido com a definição de que Deus é o Summum Bonum e tende a negar a substancialidade do mal: “... um destes dois extremos, e precisamente o que é bom, [que] se chamasse Filho de Deus, por causa da excelência de sua bondade...”[11]. Como também “... as potestades, os tronos, as dominações e até os espíritos maus e os demônios impuros não o possuem de forma substancial [...] eles não foram criados maus...”[12]. “É certo, portanto, que ser mau significa estar privado do bem. Afastar-se, porém, do bem nada mais é que consumar o mal”[13].
Em Basílio se encontra, de maneira mais clara, a questão da insubstanciabilidade do mal. Ele afirma que não devemos
... pensar que o mal tem substância própria, pois nem a maldade existe como ser vivo, nem admitimos que o mal seja sua entidade substancial. O mal é uma negação do bem... O mal, portanto, não se fundamenta em uma existência própria, mas decorre da mutilação da alma[14].
Na sua segunda Homilia in Hexaemeron, Basílio afirma que
“... o mal não é uma substância viva e animada, mas um estado de alma, contrário à virtude, por causa da apostasia do bem que provém dos negligentes...”[15].
Tito de Bostra (falecido cerca 370) diz que “não existe o mal no que diz respeito à substância”[16]. Quando se atém ao significado da palavra “substância”[17], vê-se que o mal não a possuindo, não possui nada que o suporte ou que o alicerce para ser ou existir por si próprio.
João Crisóstomo (cerca de 344-407), diz que “o mal outra coisa não é que um desvio do bem e por isso o mal é posterior ao bem”[18].
Severino Boécio (data ???), apesar de ser um senador romano, “revela uma influência cristã na tentativa de explicar a existência do mal num mundo dirigido por Deus”[19]. Ele diz que
Deus [...] é mesmo o bem, como o afirma e confirma o consenso humano; [...] indubitavelmente é Ele o bem, por ser o melhor entre todos [...] Ele é o bem supremo. [...] Deus, ser soberano, possui em si mesmo o bem supremo e perfeito...[20]
Dioníísio Areopagita diz no capítulo 4º de De Divinis Nominibus que “o mal não pode provir do bem, porque se dele viesse, não seria mau. Mas como tudo o que existe deriva do bem, todas as coisas são boas de algum modo”[21] e que o “o mal por sua própria natureza nada é e nem produz algo de real”.  “O mal não existe de forma alguma e não é bom nem benéfico”. “Todas as coisas são boas e procedem do bem, na medida em que existem; mas não são boas nem existem, na medida em que foram privadas do bem”.
O que não existe, não é totalmente mau. O que não é, nada será, a menos que seja concebido como existindo no bem de um modo supra-existencial. O bem, por conseguinte, quer enquanto existe, quer enquanto não existe, está situado numa posição incomparavelmente mais proeminente e elevada, ao passo que o mal não está presente nem no que existe, nem no que não existe[22]. 
Também em Agostinho, as noções das doutrinas Summum Bonum e Privatio Boni se apresentam. Numa de suas obras contra os maniqueus e os marcionistas, dá a seguinte explicação:...
todas as coisas são boas porque umas são melhores do que as outras e a qualidade das coisas menos boas faz crescer o valor das boas... Mas aquelas que chamamos más, são falhas da natureza das coisas boas e nunca podem existir absolutamente por si mesmas, fora das coisas boas... Mas até mesmo estas falhas testemunham a bondade da natureza dos seres, Com efeito, o que é mau por alguma falha essencial, é verdadeiramente bom por natureza. A falha essencial, com efeito, é algo contra a natureza, porque prejudica a natureza. E não poderia prejudicar, senão por diminuição de sua bondade. Por conseguinte, o mal nada mais é do que a ausência do bem. E por essa razão só se encontra em alguma coisa boa. E é por isso que as coisas boas podem existir sem as coisas más, como, por exemplo, o próprio Deus e todos os seres celestes superiores: não são maus...; se, porém, prejudicam, diminuem o bem e se continuam a prejudicar, é porque encontram ainda algum bem que podem diminuir; e se o consomem todo, a natureza já não tira mais nada que possa ser prejudicado; por isso, quando já não houver uma naturezas cujo bem diminua, ao ser prejudicado, também já não existirá mal algum para prejudicar[23].
O Libe Setentiarium Ex Augustino diz que “o mal não é uma substância (entidade autônoma): pois não existe, porque Deus não é o seu autor”[24].
Agostinho pergunta o
que vem a ser o que chamamos de mal, senão a privação de um bem? [...] Todos os seres são bons, uma vez que o criador de todos, sem exceção, é soberanamente bom [...] O que chamamos de mal não existe se não existir bem algum [...] Nunca poderá existir mal algum onde não exista nenhum bem[25].
Em suas As Confissões, Agostinho também coloca as mesmas idéias norteadoras do Summum Bonum e da Privatio Boni: “... quem entra em ti, entra no gozo de seu senhor, e não temerá e se sentirá sumamente bem no sumo bem...”[26].
Quando fala sobre Deus e o mal, Agostinho diz que: “Refletia: ‘Quem me criou? Por acaso não foi Deus, que não é só bom, mas a própria bondade?...!”[27].
Ao comentar sobre a substância de Deus em suas As Confissões, Agostinho se vale novamente do conceito de Summum Bonum: “Nosso Deus, porque ele é Deus, [...] não pode querer senão o que é bom, e ele próprio é o sumo bem...”[28].
E ainda em suas As Confissões, em “sobre o mal e o bem da criação”, diz que “tudo o que existe é bom; e o mal, cuja origem eu procurava, não é uma substância, porque, se fosse substância, seria um bem”[29].
Até Tomás de Aquino, com seu aristotelismo diferenciado do platonismo agostiniano, mostra influências da Privatio Boni. Ele diz que “é impossível que o mal signifique algum ser, ou alguma forma ou natureza. Portanto, é necessário que com a palavra “mal”, se designe alguma carência de bem”[30]. E, logo em seguida, que “o mal não é um ente; o bem, sim, é um ente”[31].
Johannes Hirschberger, reconhecido historiador da filosofia, ao comentar sobre a questão de Deus e o bem em Tomás de Aquino, diz que “Deus é o ser pelo qual somos o que somos, nosso ser e o nosso bem”[32].
Atualmente, depois de séculos, a Teologia Cristã continua embebida nas doutrinas do Summum Bonum e da Privatio Boni, pois o Concílio Vaticano II afirma que “O homem, olhando o seu coração, descobre-se também inclinado para o mal e mergulhado em múltiplos males que não podem provir do seu Criador que é bom”[33]. Como também que Na Sagrada Escritura, portanto, manifesta-se, resguardada sempre a verdade e santidade de Deus, a admirável “condescendência” da eterna sabedoria, “a fim de que conheçamos a inefável benignidade de Deus”[34].
Pelo que apresentamos, somos levados a crer que a Teologia Cristã teve grande influência das doutrinas do Summum Bonum e da Privatio Boni através da sua história, com relação à problemática do mal. No que pudemos perceber, segundo estas doutrinas, Deus é um ser que é o bem supremo, o soberanamente bom, o sumo bem que, por assim ser, só produz o bem. Ele é o Summum Bonum.
Entendemos que a Teologia Cristã, ao adotar para si estas doutrinas, enfatiza a seguinte lógica: Deus produz só o bem e o mal não foi criado por Ele, porque Ele é o Summum Bonum e d’Ele só pode vir o bem, já o mal vem do homem sendo este uma privação ou diminuição do bem – Privatio Boni.
Segue-se, pelo que expusemos, que a realidade do mal foi, há bastante tempo, negada pela Teologia Cristã, visto que, segundo ela, o mal é posterior ao bem, não possui substância, existência própria e assim até não existe.
Refletindo estas questões com base na Psicologia de C. G. Jung e resguardando os respectivos campos epistemológicos, tentaremos analisá-las de outro ponto de vista. Seria então válido saber o que esta Psicologia Junguiana tem a dizer quando estas questões caem no seu campo de atuação.
3 – PRIVATIO BONI E SUMMUM BONUM – UMA ABORDAGEM PSICOLÓGICA 
Antes de entrar na questão da Privatio Boni e do Summum Bonum em relação ao mal e à psicologia, pensamos ser necessário que o leitor se familiarize com alguns dos conceitos da Psicologia de Jung.
O primeiro que se verá é o de individuação.  
O conceito de individuação ou de processo de individuação é de fundamental importância para a teoria de Jung. Nise da Silveira[35] diz que o eixo da Psicologia Junguiana é o processo de individuação[36]. Isto quer dizer que, qualquer coisa que se pense ou se diga desta teoria psicológica, deve-se ter sempre em mente este conceito como referencial.
Em diversos momentos da obra de Jung é ressaltada a importância do conceito da individuação: para ele, individuação “é uma exigência psicológica imprescindível”[37] e “não é apenas um problema espiritual e, sim, o problema geral da vida”[38]. Mas o que seria este conceito de vital importância?
Todo ser tende a crescer, a realizar e a completar o que existe nele em germe. Assim também é para o homem, tanto para o seu corpo quanto para a sua psique. Pois todo indivíduo possui uma tendência para o autodesenvolvimento ou individuação.
A individuação é uma necessidade natural e o seu objetivo é o desenvolvimento da personalidade individual. Seu impedimento causará ao indivíduo sérios prejuízos[39], pois a tarefa da individuação é obrigatória do ponto de vista da saúde psicológica[40].
Mas, apesar do desenvolvimento das potencialidades do homem ser impulsionado por forças instintivas inconscientes, neste mesmo homem há uma característica importante e peculiar: “ele é capaz de tomar consciência desse desenvolvimento e influenciá-lo”[41]. Jung diz que
a nossa consciência está [...] inclinada a engolir o inconsciente, e, se isso não se provar possível, nós tentamos engoli-lo [...] Porém se nós (nossa consciência) entendermos alguma coisa do inconsciente, nós (nossa consciência) saberemos que é perigoso suprimi-lo, porque o inconsciente é vida, e essa vida se volta contra nós se for suprimida, como acontece na neurose [...] consciência e inconsciente não fazem o todo quando um deles é suprimido e prejudicado pelo outro[42].
Esta pecularidade do homem (consciência) de influenciar na relação com o seu inconsciente e no processo de individuação, possibilita, ao mesmo tempo, o confronto de opostos. É na diversidade da personalidade que há uma união e amadurecimento numa síntese, num indivíduo específico e inteiro. Pois “individuação significa torna-se um ser único”[43]. Único porque na união dos contrários é que encontramos a unificação do homem e a sua individuação[44].
Mas o processo de individuação não segue uma linha reta[45]. Faz um movimento de circunvoluções, buscando um novo centro da personalidade. Jung diz quetal centro é designado pelo nome de “Si-mesmo”, que deve ser compreendido como a totalidade da esfera psíquica. O Si-mesmo não é apenas o ponto central, mas também a circunferência que engloba tanto a consciência como o inconsciente. Ele é o centro dessa totalidade, do mesmo modo que o eu é o centro da consciência[46].
O processo de individuação conduz, inexoravelmente, à experiência do “Si-mesmo” e, como se viu, “um mysterium coniunctionis (mistério da unificação), dado que o “Si-mesmo” é percebido como uma união nupcial de duas metades antagônicas”[47] que constitui a “quintessência da individuação”[48].
Apesar do processo de individuação ser um processo instintivo, que independe da vontade ou da consciência do homem, seria mais fácil para ele se tivesse consciência e não se opusesse a este processo, pois a consciência é muito frágil diante de uma determinação do inconsciente. A individuação não é uma escolha, mas seria melhor se assim o fosse, e muito menos uma atividade agradável, pois a integração de opostos causa muitos sofrimentos àquilo que o ego acredita ser. Jung diz que Só aquele que é íntegro por experiência sabe o quanto o homem é insuportável para si mesmo. Por isso nada havrá a objetar [...] (a que) a tarefa da individuação e do reconhecimento da totalidade ou integralidade, que a natureza nos impôs, (é) obrigatória. Se o indivíduo efetuar isto de maneira consciente e intencional, evitará todas as conseqüências desagradáveis que decorrem de uma individuação reprimida, isto é, se o assumir de livre e espontânea vontade e inteireza, não será obrigado a sentir na carne que ela se realiza dentro dele contra a sua vontade, ou seja, de forma negativa[49].
Quando se amplia um pouco mais o conceito de processo de individuação, vê-se que ele é “uma espécie de tendência reguladora ou direcional oculta”[50], cujo centro organizador, de onde emana esta ação organizadora, parece ser uma espécie de “núcleo atômico” do nosso sistema psíquico. Poder-se-ia denominá-lo também de inventor, organizador ou fonte das imagens oníricas. Jung chamou a este centro o self (Si-mesmo) e o descreveu como a totalidade absoluta da psique, para diferenciá-lo do ego (eu), que constitui apenas uma pequena parte da psique[51].
Então, o “Si-mesmo” é o objetivo da individuação e também, ao mesmo tempo, o que engendra, organiza e orienta essa individuação. Coisa paradoxalmente simples para algo que é a totalidade e ao mesmo o centro da totalidade. Um conceito que certamente “transcende a consciência”[52] humana.
O conceito de individuação é freqüentemente confundido com dois outros conceitos: perfeição e individualismo.
Individuação não é sinônimo de perfeição, pois Aquele que busca individuar-se não tem a mínima pretensão de tornar-se perfeito. Ele visa completar-se [...]. E para completar-se terá que aceitar o fardo de conviver conscientemente com tendências opostas, irreconciliáveis, inerentes à sua natureza, tragam estas conotações de bem ou de mal, sejam escuras ou claras[53]. 
Confundir individuação com individualismo é também outra deturpação comum e absurda, pois para Jung “semelhante propósito (extremo individualismo) é patológico, natural e francamente contrário à vida”[54]. A individuação é um processo evolutivo que conduz ao “Si-mesmo”, é o oposto da individualização; o primeiro (processo evolutivo) tende para uma “saída do ego”- para o oblativo; o segundo, para a exaltação do ego, para o egocentrismo[55].
Jung frisa que,
vindo a ser o indivíduo que é de fato, o homem não se torna egoísta no sentido ordinário da palavra, mas meramente realiza as particularidades de sua natureza e isso é enormemente diferente do egoísmo ou individualismo[56].
O processo de individuação não é um conceito simplesmente teórico ou abstrato; ele é “descrito em imagens nos contos de fada, mitos, no opus alquímico, nos sonhos e nas diferentes produções do inconsciente”[57]. E principalmente com os sonhos é que podemos perceber as idas e vindas complexas do processo de individuação. Jung analisou milhares de sonhos e verificou sempre a mesma emergência de imagens análogas ou parecidas que se sucediam, podendo, por assim dizer, traçar um mapa de um itinerário percorrido e descrever as principais etapas do processo de individuação.
Evidentemente falaremos aqui apenas de duas etapas que interessam para não nos perdermos no propósito deste trabalho. Estas etapas seriam a retirada de uma máscara, a Persona, e o encontro com uma face desconhecida, a Sombra.
Quando o homem estabelece contatos com o mundo externo e procura se adaptar às exigências do meio em que vive, uma aparência que não corresponde à sua maneira de ser é assumida. “Apresenta-se mais como os outros esperam que ele seja ou ele desejaria ser do que realmente é”[58]. A esta falsa aparência Jung denominou de Persona.
Jung baseou seu conceito de Persona na máscara que os antigos atores utilizavam[59] para caracterizar o papel que estavam representando. O padre, o médico, o pai, o militar, por exemplo, mantêm uma fachada de acordo com as convenções coletivas, que ditam o que devem fazer, falar, vestir, etc.
Segundo Jung, Persona “é um complexo funcional a que se chegou por motivos de adaptação ou de necessária comodidade. Mas nada tem a ver com a individualidade[60]. E é justamente aí que reside o seu grande perigo, quando o indivíduo se confunde com a imagem das expectativas das pessoas quanto ao seu papel social e à educação que recebeu[61], ficando reduzido a uma casca impermeável de revestimento.
A Persona é, de certa forma, um sistema útil de defesa. Todos possuem ou usam uma ou várias máscaras. O problema é que, na maioria das vezes, a Persona é inconscientemente, mas quando se tem consciência dela, o perigo não é tão grande; sem dificuldades podemos tirá-la e colocá-la novamente (como os atores antigos), de acordo com as circunst6ancias e diante de determinadas pessoas. Mas acontece que acabamos ficando presos à nossa Persona e identificando-nos com ela; é este o perigo. A Persona (segundo Jung) não é a máscara conscientemente posta e tirada, mas a máscara inconsciente que, pouco a pouco, camufla o nosso verdadeiro ser[62].
Além de máscara, a Persona é um papel. São os papéis desempenhados ao longo da história (pai, mãe, sacerdote) que orientam a nossa conduta. Apesar de orientadora, quando ela se torna dominante, pode abafar o indivíduo.
Quanto mais a máscara da Persona aderir à pele do indivíduo, “mais dolorosa será a operação psicológica para despi-la”[63]. O poeta português Fernando Pessoa expressa esta difícil atitude psicológica de uma maneira muito profunda em “Tabacaria”:
... Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me. 
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado. 
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo...[64].
Certamente a retirada da máscara é um ato de coragem: mostra um lado obscuro que não agrada ao ego; agride frontal e compensatoriamente a Persona que o Ego construiu e que se reconheceu.
Mas, ao mesmo tempo, a identificação com a Persona, com a máscara, leva a uma perda do contato com o lado sombrio da personalidade e a personalidade total e real fica distante e oculta [65]. A este lado sombrio, Jung denominou de Sombra.
Segundo Jung, a Sombra é “aquela personalidade oculta, recalcada, freqüentemente inferior” [66], que em geral tem um valor afetivo negativo[67]. É “o nosso lado escuro onde moram todas as coisas que desagradam em nós, ou mesmo nos assustam”, diz Nise da Silveira[68].
A Sombra faz parte da totalidade da personalidade, é a metade obscura da alma[69]. São as coisas que não aceitamos em nós, é a nossa “fragilidade deplorável e condenável”, diz Jung[70].
Para ele,
com compreensão e boa vontade, a sombra pode ser integrada de algum modo na personalidade, enquanto que certos traços [...] opõem obstinada resistência ao controle moral, escapando portanto a qualquer influência. De modo geral, estas resistências ligam-se a projeções[71]. “que não podem ser reconhecidas como tais...”[72] pelo indivíduo.
As nossas “projeções são da sombra”[73]; nós a projetamos sobre o outro, o vizinho, o inimigo, ou até mesmo em “uma figura símbolo como o demônio”[74]. Toda vez que fazemos projeções, nossa pequena consciência se protege daquilo que abrigamos dentro de nós. Mas quando iluminamos nossos cantos obscuros, nossa consciência se amplia e se assusta.
Jung diz que o encontro com a Sombra
desafia a personalidade do Eu como um todo, pois ninguém é capaz de tomar consciência desta realidade sem despender energias [...] Mas nesta tomada de consciência da sombra tarta-se de reconhecer os aspectos obscuros da personalidade, tais como existem na realidade. Este ato é a base indispensável para qualquer tipo de autoconhecimento e por isso, via de regra, ele se defronta com considerável resistência [...] (por isso) é um trabalho árduo[75] e necessário, pois quando a Sombra é ignorada e incompreendida ela se torna hostil.
Sendo a Sombra uma parte que não se reconhece, ela também pode assumir um lado positivo, quando, raramente, o indivíduo dá livre curso ao pior lado de sua natureza, reprimindo o que nela há de melhor. A Sombra também possui coisas boas[76], mas o que geralmente ocorre é que tentamos esconder o nosso lado sombrio e não o outro.
Quanto mais a Sombra é afastada da consciência, mais ela se torna espessa e negra. Na neurose, a sombra é densa e o único caminho saudável é a convivência da consciência com a sombra [77].
Viu-se, então, que a retirada da Persona e o encontro com a Sombra são etapas fundamentais para o processo de maturação psicológica, a individuação. Um processo natural que, se negado, causará grandes prejuízos para a personalidade do indivíduo.
Mas o que isso tem a ver com o problema do mal?
Como vimos anteriormente, a Teologia Cristã, quando se vale das doutrinas da Privatio Boni  e do Summum Bonum, nega a realidade do mal. Se não nega essa realidade, o diminui, colocando-o posterior ao bem, sem substância ou existência própria, sendo ele apenas uma privação do bem.
Jung diz que
A experiência psicológica nos mostra que o “Bem” e o “Mal” constituem o par de contrários do chamado julgamento moral e que, enquanto tal, têm sua origem no próprio homem. Como sabemos, só se pode emitir um julgamento quando é possível o seu oposto em termos de conteúdo. A um Mal aparente só se pode contrapor um Bem igualmente aparente, e um Mal não substancial só pode ser anulado por um Bem igualmente não substancial. Um existente se contrapõe a um não-existente, mas nunca um Bem existente pode contrapor-se a um Mal não-existente, pois este último é uma contradictio in adjeto [uma contradição nos próprios termos] e gera uma desproporcionalidade em relação ao bem existente: de fato, um Mal não-existente (negativo) só pode contrapor-se a um Bem igualmente não-existente (positivo). Dizer que o Mal é mera privatio boni nada mais é do que negar a antinomia Bem-Mal. Como se poderia falar de um “Bem” se não existisse igualmente um “Mal”? Como falar de um “claro” sem um “escuro”, de um “em cima” sem um “embaixo”? A conclusão inevitável é a de que, se atribuímos um caráter substancial ao Bem, devemos também atribui-lo ao Mal. Se o Mal não é substancial, o Bem não passa de algo vago, porque não tem de defender-se de um adversário substancial, mas unicamente de uma sombra, de uma privatio boni. Uma concepção desta espécie dificilmente se ajustará à realidade observável. Não se pode evitar a impressão de que tendências apotropaicas tenham influído na formação destas opiniões, com a compreensível preocupação de resolver de maneira mais otimista possível o espinhoso problema do Mal...[78]. 
Mediante o exposto, tende-se a concluir que, em nível psicológico, a substancialidade do mal é existente. O sistema psíquico humano não comporta um conceito de que o mal é uma Privatio Boni.
O mal é uma realidade psíquica[79] que não podemos negar. Ao contrário, “devemos considerá-lo tanto quando o bem”[80], pois toda vez que o ego tenta orgulhosamente negar uma realidade psíquica, ele sai perdendo. O mal é uma realidade inevitável da vida (psíquica), uma realidade que não pode e nem deve ser extirpada[81], pois, a qualquer tentativa de retirá-lo desta realidade, retira-se também a vida.
Partindo do conceito de persona dado anteriormente, se é levado a crer que ela é formada por ideais ou padrões de nossa educação familiar, de nossos grupos sociais ou regras religiosas que atuam diretamente sobre nós – na maioria das vezes inconscientemente – frutos de nossa cultura e de nossos padrões judaico-cristãos[82].
Seguindo estes padrões, a persona é forçada a ser tolerante, amável, sexualmente casta e portadora de mansuetude. Este padrão de persona é reforçado pelo ponto de vista da Privatio Boni, onde o mal é negado na sua realidade e só o bem é aceito como existente. Pois, como vimos, a persona é adaptável e, para se adaptar num mundo onde a realidade do mal é negada, ela só poderá ser boa.
Outro aspecto que se viu também anteriormente é o problema da identificação com a persona. Se isto ocorrer, “o contato com o lado sombrio e obscuro da personalidade é certamente perdido [...] (levando) ao artificialismo, falsidade e superficialismo da personalidade”[83].
Normalmente, a identificação e manutenção de uma persona leva a uma negação da sombra. Este problema se torna mais complexo quando a visão que o ego identificado com a persona tem de si e do mundo é sob o prisma da Privatio Boni, pois em nível psicológico, o mal é freqüentemente visto, vivenciado e identificado com a sombra[84].
Se a Privatio Boni diz que o mal não é real e eu aceito isso como verdade, a minha visão interna é de que eu não possuo sombra. Esta falsa constatação é extremamente prejudicial para a economia psíquica, pois, visto que para o processo instintivo de individuação, é necessário o encontro com a sombra, e se ela é identificada com o mal e o mal é negado como realidade, nunca haverá um reconhecimento da sombra como tal e nunca haverá qualquer encontro real com a sombra, um encontro que tem que ser pleno[85].
John A. Sanford comenta que
Uma razão pela qual o problema da sombra tem sido ignorado pela Igreja é que ele nos leva a situações paradoxais e nos confronta com a necessidade de uma ética paradoxal. Não gostamos de paradoxos e a tradicional consciência cristã em particular prefere que as coisas sejam traduzidas no preto e no branco. Infelizmente, a aceitação do nosso lado sombrio não permite isso, pois a sombra, com todo o seu potencial para o mal, também contém o que é necessário para o bem...[86].  
Em outra passagem, Sanford diz que
Com o passar dos séculos a Igreja não caminhou significativamente neste ponto (conscientização da sombra). Tendo isto em vista, a Igreja não alcançou a consciência mais elevada de Jesus, mas permaneceu num nível psicológico inferior. O resultado foi a perpetuação e agravamento da divisão do homem, em vez da solução do problema da sombra[87]. 
Aquele que, em nível psicológico, assume para si a doutrina da Privatio Boni, ficará dividido – como disse Sanford – e estará levando para a estagnação o processo de individuação, cuja meta é justamente a união aos opostos[88], que é o “Si-mesmo”. A sombra é a metade do “Si-mesmo” e a outra metade é apenas a consciência do Eu[89].
Segundo Jung,
Só o autoconhecimento mais amplo e severo possível, que olhe o mal e o bem numa relação correta e seja capaz de ponderar todos os aspectos, oferece uma certa garantia de que o resultado final não será muito ruim[90]. 
Com base na Teologia Cristã, poder-se-ia dizer que não há nenhuma negação da sombra no homem. Ao contrário, poder-se-ia dizer que o homem é o grande portador da sombra, visto que Deus, como vimos acima, e o Summum Bonum, que só cria o bem, e o homem (com sua sombra) macula com o seu pecado a obra do criador. Reconhecendo-se como pecador, o homem se estaria reconhecimento como portador da sombra e, assim, a Teologia estaria reforçando a necessidade do encontro com a sombra. Esta visão teológica é válida quando se parte do princípio de que Deus é o Summum Bonum. Mas, em nível psicológico, a questão do Summum Bonum é vista de uma maneira diferente.
Com relação à concepção de que Deus seja o Summum Bonum, Jung diz que Ignorava-se, e parece que ainda se continua a ignorar (com algumas honrosas exceções), que a “hybrus”(soberba) do intelecto especulativo já havia induzido os antigos a ousarem uma definição filosófica de Deus, ao obrigá-lo, de certo modo, a assumir o papel de “Summum Bonum”. Um teólogo [...] teve até mesmo a ousadia de dizer que “Deus só pode ser bom!”. O próprio Javé, por si só, já bastaria para convencê-lo do contrário a este respeito, caso ele mesmo não percebesse sua intrusão intelectual no confronto com a onipotência e liberdade de Deus[91]. 
Porque será que Jung faz um comentário tão cáustico com relação ao Summum Bonum”? É que, além da Hybris pela definição da divindade, temos graves problemas psicológicos quando Deus é definido como o Sumo Bem.
Viu-se acima que o processo de individuação objetiva o encontro com o “Si-mesmo”. 
O “Si-mesmo” é a unidade[92] e a totalidade da psique (consciente e inconsciente)[93] que deve ser compreendida como uma coincidentia oppositorum, uma união de opostos[94].
É uma totalidade[95] que transcende a consciência[96], que ultrapassa e evolui o eu[97], que é indescritível, mas indispensável como um conceito intuitivo[98]. O “Si-mesmo” é vivenciado como algo muito amor que a personalidade do homem[99].
Já paradoxal por conter em si os opostos, ele também é o todo e o centro da totalidade [100] que orienta, organiza e engendra esta mesma totalidade e qualquer processo que nela ocorra [101].
Por todas características psicologicamente empíricas[102] observadas por Jung, ele concluiu que o “Si-mesmo”,
é uma base psicológica para a concepção de Deus. Deus se serve dela (base psicológica) como seu veículo (e) a Psicologia pode averiguar esta base. Para além disso, é a Teologia que tem a palavra [103].
 Pois o “Si-mesmo” não é colocado no lugar de Deus.
Segundo Jung, o “Si-mesmo” “é uma imagem divina (e não Deus), mas não se pode distingui-lo desta última”[104]. E “o embate com ele é um ‘mysterium tremendum’”[105]. “Na prática é impossível distinguir entre os símbolos espontâneos do “Si-mesmo” (da totalidade) e uma imagem divina”[106]. Para ele,
Unidade e a totalidade (do “Si-mesmo”) se situam a um nível superior na escala de valores objetivos, uma vez que não podemos distinguir seus símbolos da Imago Dei (Imagem de Deus). Tudo que se diz sobre a imagem de Deus pode ser aplicado sem nenhuma dificuldade aos símbolos da totalidade[107].
 O “Si-mesmo”,
em virtude de suas qualidades empíricas [...], se manifesta por fim como o “eidos” (idéia) de todas as representações supremas da totalidade  e da unidade, que são inerentes, sobretudo, aos sistemas monoteístas e monistas[108]. 
Viu-se acima que o “Si-mesmo” é paradoxal: é o orientador e a meta do processo de individuação e contém em si os opostos. O que, do ponto de vista moral, contém em si o bem e o mal [109]. Viu-se, então, que a base psicológica da concepção de Deus (Imago Dei que nada tem a ver com filosofias ou racionalismos) contém em si todos os opostos, inclusive o “bem” e o “mal”, apesar disto ser um julgamento moral[110] da consciência.
Poder-se-ia dizer que a necessidade da imagem divina ser boa ou má ao mesmo tempo é uma necessidade psicológica do homem e Deus nada tem a ver com isso. Então, Ele pode ser o Summum Bonum, se quiser, e nós, humanos, nada temos a ver com a escolha divina.
Bem, a nível psicológico, a Imago Dei (ou o Deus vivenciado) também se transforma por causa do homem[111]. John A. Sanford comenta que A razão de encontrarmos poucas referências a Satã no Antigo Testamento está no fato de que aí o próprio Iahweh é o responsável pelo mal (como pelo bem), de modo que a figura de um demônio não é necessária[112]. 
Porém, quando no Novo Testamento encontramos um Deus ligado à polaridade do Summum Bonum, encontramos também uma presença muito maior e freqüente do demônio[113].
Jung vê a imagem de Cristo como o “Si-mesmo”. Porém lhe falta, para ser completo, o lado sombrio[114]. A este respeito, Jung comenta sobre o Apocalipse, dizendo que A vinda do anticristo não é apenas uma predição de caráter profético, mas uma lei psicológica inexorável (que levou São João – o homem), sem que ele soubesse, à certeza da enantiodromia vindoura [...] como se tivesse consciência da necessidade interior desta transformação[115]. 
John A. Sanford também comenta que no Apocalipse há uma clivagem e dualidade metafísicas entre Deus e Satã, o que reflete o problema sem solução da própria alma do homem. Acabada a bênção de Jesus dos Evangelhos, cuja atitude foi capaz de unir os opostos, temos, ao invés disto, uma representação de bondade extremamente unilateral, que certamente constela o seu oposto. No Apocalipse vemos revelado não a natureza última de Deus, mas o problema não resolvido do homem projetado no domínio metafísico[116]. 
Uma outra questão que nos incomoda é a seguinte: se o “Si-mesmo” é o orientador e o objetivo do processo de individuação, contendo em si os opostos (mal e bem incluídos) e é ele a base psicológica mesclada e fundida na Imago Dei e esta Imago Dei é unilateral (Summum Bonum), toda esta situação seria prejudicial ao processo de individuação? A resposta é certamente que sim, pois como se viu, o homem, ou melhor, a sua consciência, é capaz de influenciar o processo de individuação. Mesmo este sendo instintivo, o homem pode influenciá-lo positivamente, indo rio abaixo, à mercê da correnteza, ou negativamente, condenado eternamente a nadar corrente acima e a nunca chegar a lugar algum.
Uma consciência que assume o ponto de vista da Privatio Boni ou do Summum Bonum, está psicologicamente condenada a ficar dividida entre Deus e o Diabo. E, certamente, distante do processo de individuação, sofrendo por realizar um opus contra natura.
Jung diz que
Luz e Sombra formam uma unidade paradoxal do si-mesmo empírico. Na concepção cristã, pelo contrário, (o si-mesmo) está irremediavelmente dividido em duas metades inconciliáveis, porque o resultado final conduz a um dualismo metafísico, isto é, a separação definitiva entre o reino celeste e o mundo de fogo da condenação[117]. 

4 – CONCLUSÃO
 Viu-se que o objetivo do processo de individuação é o “Si-mesmo”, que por sua vez é empiricamente inseparável da Imago Dei. O “Si-mesmo” é a união de todos os opostos (consciência e inconsciente), é a totalidade que transcende o Eu e que abarca não só, mas também, o bem e o mal do ponto de vista da moral da consciência.
Sendo o “Si-mesmo” a união de opostos, leva-se a crer que, em nível psicológico, qualquer visão de mundo (consciência) que unilaterialize ou que negue algum lado da totalidade, leva certamente a uma estagnação do processo de individuação – o que é prejudicial à integridade do homem. Então, se a concepção de que a Imago Dei é o Summum Bonum e que o mal é uma Privatio Boni implica numa polarização do bem na imagem de Deus e numa negação da realidade do mal – o que é igualmente prejudicial.
Levando-se em conta que o “Si-mesmo” é também o orientador de todos os processos da psique e que ele se confunde com a Imago Dei, a concepção de que a Imago Dei é o Summum Bonum polariza a visão que a consciência tem do “Si-mesmo” orientador da totalidade psíquica – o que também é prejudicial.
Todos estes aspectos levam a crer que, psicologicamente, a concepção da consciência da Imago Dei ser o Summum Bonum e o mal ser uma Privatio Boni é limitadora e limitada para a psique humana e para o seu processo de individuação.
Poder-se-ia pensar erroneamente, como já foi dito anteriormente, que a Psicologia está atacando a Igreja, ou que ela está fazendo um apologia do mal. Ao contrário, a Psicologia aponta apenas a prejudicial visão polarizada que a consciência quase sempre tende a ter. Pois, como se viu acima, esta polarização acarreta prejuízos sérios, independente do lado para que se incline.
O problema da polarização, do ponto de vista psicológico, é amoral. Pois, se houvesse alguma doutrina chamada Sumo Mal ou outra que defendesse que o bem fosse uma privação do mal, a preocupação psicológica seria a mesma. Pois, a persona encarnaria o mal, o bem ficaria na sombra e o processo de individuação também seria afetado.
Ao mesmo tempo, o problema da polarização e uma etapa natural que aparece no processo de individuação e que, inevitavelmente, terá que ser transcendido. A sua transcendência é mais um desafio de que não se pode fugir.
James Hillman diz que o sentido da individuação é, sinteticamente, “a relativização do ego”[118]. Pois somente assim, em nível psicológico, o ego suportará o encontro com o “Si-mesmo” e todas as suas paradoxais orientações de um centro paradoxal e transpessoal da totalidade da psique.
Acredita-se, então, que, do ponto de vista psicológico, somente a relativização tirará o homem da situação de estar dividido entre Deus e o Diabo e, concomitantemente, dentro de si mesmo.

por Paulo Bonfatti 

5 – BIBLIOGRAFIA 
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7 – GRANDE ENCICLOPÉDIA DELTA LAROUSSE. Rio de Janeiro: Delta, 1970. v.  
8 – FADIMAN, James, FRAGER, Robert. Teorias da personalidade. Trad. Odette de Godoy Pinheiro. São Paulo: Harbra, 1986. 
9 – GOMES, Cirilo Folch. Antologia dos santos padres. 2 . ed. São Paulo: Paulinas, 1980.
10 – HILLMAN, James. Anima – Anatomia de uma noção personificada. Trad. Lúcia Rosenberg e Gustavo Barcellos. São Paulo: Cultrix, 1990. 
11 – HIRSCHBERGER, Johanes. História da Filosofia na Idade Média. Trad. Alexandre Correia. 2. ed.  São Paulo: Herder, 1966. 
12 – JUNG, C.G. O homem e seus símbolos. Trad. Maria Lúcia Pinho. Rio de Janeiro: Nova Fronteira [s.d.]. 
13 - ------. The archetypes and the colletive unconscious. Princeton (USA): Princeton niversity Press, 1980. v. XX. (Bollingem Series). 
14 - ------. Aion – Estudos sobre o simbolismo do si-mesmo. Trad. Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha, O.S.B. Petrópolis: Vozes, 1982. v. IX/2. (Obras Completas de C.G. Jung).
15 - -----. Psicologia da religião ocidental e oriental. Trad. Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha, O.S.B. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1983. v. XI. (Obras Completas de C.G. Jung).
16 - ------. Mysterium coniunctionis – Pesquisas sobre a separação e a composição dos opostos psíquicos na alquimia. Trad. Frei Valdemar do Amaral, O.F.M. Petrópolis: Vozes, 1985. v. XIV/1. (Obras Completas de C.G. Jung).
 17 - ------. A natureza da psique. Trad. Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha, O.S.B. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1986 a. v. VIII/2. (Obras Completas de C.G. Jung).
 18 - ------. Resposta a Jó. Trad. Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha, O.S.B. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1986b. v. XI/4. (Obras Completas de C.G. Jung).
 19 - ------. O Eu e o inconsciente. Trad. Drª Dora Ferreira da Silva. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1987 a. v. VII/2. (Obras Completas de C.G. Jung).
 20 - ------. Tipos psicológicos. Trad. Álvaro Cabral. 4.ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987b.
 21 - ------. Psicologia e alquimia. Trad. Maria Luiza Appy, Margaret Makray, Dora Mariana Ribeiro Ferreira da Silva. Petrópolis: Vozes, 1991. v. XII. (Obras Completas de C.G. Jung).
 22 – MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. Ed. Abreviada e preparada por Eduardo Garcia Belsunce e Ezequiel de Olaso. 5. ed. Lisboa: Dom Quixote, 1982.
 23 – PESSOA, Fernando. Obra poética. Organização Maria Aliete Galhoz. Rio de Janeiro: Companha José Aguilar, 1972. 
24 – SANFORD, John A. Mal, o lado sombrio da realidade. Trad. Sílvio José Pilon e João Silvério Trevisan. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1988. (Coleção Amor e Psique).
 25 – SCHWARTZ-SALANT, Nathan. Narcisismo e transformação do caráter – A psicologia das desordens do caráter narcisista. Trad. Adail Ubirajara Sobral  Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Cultrix, 1988. (Coleção Estudos de Psicologia Junguiana por Analistas Junguianos). 
26 – SILVEIRA, Nise da. Jung, vida e obra. 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. (Coleção Vida e Obra). 
27 – WINCKEL, Erna Van de. Do inconsciente a Deus. Ascese cristã e a psicologia de C.G. Jung. Trad. Benôni Lemos. São Paulo: Paulinas, 1985. (Coleção Amor e Psique).
APOSTILA
1 – APOSTILA de “Seleção de Textos Filosóficos Medievais”. Trad. e Org. feita pelo Professor de História da Filosofia José Francisco Simões.
6. NOTAS.
 [1] Psicólogo clínico de orientação Junguiana, especialista em Psicologia Clínica (CRP) e em Psicologia Junguiana (Instituto de Psicologia Junguiana do Rio de Janeiro), mestre em Ciências da Religião  (Universidade Federal de Juiz de Fora), doutorando em Psicologia Clínica (Puc/RJ), professor Titular de Teorias e Técnicas Psicoterápicas em Psicologia Junguiana (CES/JF) e em Psicologia da Religião (ITASA/JF).
[2] - SANFORD, J.A. (1988) p. 162.
[3] - Cf. Ibidem.
[4] - JUNG, C.G. (1982) § 74.
[5] - Ibidem, § 80.
[6] - Ibid., § 80.
[7] - Ibid., § 80.
[8] - Oratio ad Graecos [p. V], col. 829, in JUNG, C.G. (1982) § 81.
[9] - JUNG, C. G. (1982) § 81.
[10] - Ad Autolycum [p. Vi], col. 1080, in JUNG, C.G. (1982) § 81.
[11] - Origenes contra Celsun, VI, 45 [p. XI, col. 1367], in JUNG, C. G. (1982) § 81. Reticências minhas.
[12] - Origenes em De Principiis, I, VIII, 4 [p. XI, col. 179], in JUNG, C.G. (1982) § 81. Reticências
minhas.
[13] - Ibidem, II, IX, 2 (p. XI, col. 226).
[14] - Homilia: Quod Deus non est auctor malorum [p. 31, col. 341], in JUNG, C.G. (1982) § 82.
[15] - De Spiritu Sancto [p. 29, col. 37], in JUNG, C.G. (1982) § 83. Reticências minhas.
[16] - Adversus manichaeos [p. 18, col. 1132s], in JUNG, C.G. (1982) § 85.
[17] - MORA, J.F; (1982) p. 378. “O vocábulo “substantia”significa ‘o estar debaixo de’e ‘o que está debaixo de’. Supõe-se que a substância está debaixo de qualidades ou acidentes, servindo-lhes de suporte, de modo que as qualidades ou acidentes podem mudar, ao passo que a substância permanece – uma mudança de qualidades ou acidentes não equivale necessariamente a que a substância passe a ser outra, ao passo que uma mudança de substância é uma mudança para outra substância”.
[18] - Responsiones ad orthodocas [p. 6, col. 1313s], conhecida como Iustini: opera spuria, in JUNG,
C.G. (1982) p. 86.
[19] - GRANDE ENCILOPÉDIA DELTA LAROUSSE (1970) p. 944.
[20] - GOMES, C.F. (1980) in APOSTILA de Seleção de Textos Medievais.
[21] - Cf. JUNG, C.G. (1982) § 87-88.
[22] - Ibidem.
[23] - Ibid., § 89.
[24] - Ibid, § 90. Ver também notas 40 e 41 na obra citada.
[25] - AGOSTINHO  (1946) in APOSTILA de Seleção de Textos Medievais.
[26] - AGOSTINHO (1964) Livro Segundo, cap. X, p. 118. Reticências minhas.
[27] - Ibidem, Livro Sétimo, cap. III, p. 189.
[28] - Ibid., Livro Sétimo, cap. IV, p. 190.
[29] - Ibid., Livro Sétimo, cap. XII, p. 203.
[30] - AQUINO, T. (1950) I, Quaest. 48,1.
[31] - Ibidem, Quaest. 48,3.
[32] - HIRSCHBERGER, J. (1966) p. 199.
[33] - COMPÊNDIO DO VATICANO II (1977) Constituição Pastoral Gaudium et Spes: G.S. 239.
[34] - Ibidem, Constituição Dogmática Dei Verbum, D.V. 183.
[35] - Nise da Silveira foi uma eminente psiquiatra brasileira de reconhecimento internacional e faleceu em 1999. Foi uma das responsáveis pela introdução de novos métodos de tratamento para pacientes psiquiátricos. Fundou no Rio de Janeiro o Museu de Imagens do Inconsciente e a Casa das Palmeiras. C.G. Jung influenciou profundamente o trabalho de Nise da Silveira a partir do momento em que tiveram um primeiro encontro na Suiça, em 1952.
[36] - SILVEIRA, N. (1981) p. 101.
[37] - JUNG, C.G. (1987a) § 241).
[38] - JUNG, C.G. (1991) § 163.
[39] - JUNG, C.G. (1987b) p. 525.
[40] - JUNG, C.G. (1982) p. 125.
[41] - SILVEIRA, N. (1981) p. 87.
[42] - JUNG, C.G. (1980) §§ 521-522. Tradução pessoal.
[43] - JUNG, C.G. (1987a) § 266.
[44] - JUNG, C.G. (1982 § 264.
[45] - JUNG, C.G. (1981) § 34.
[46] - Ibidem, § 44.
[47] - JUNG, C.G. (1982) § 117.
[48] - Ibidem, § 157.
[49] - Ibid.,  § 125.
[50] - JUNG at alii (s.d.) p. 161.
[51] - Ibidem, p. 161.
[52] - JUNG, C.G. (1982) § 305.
[53] - SILVEIRA, N. da (1981) p. 88.
[54] - JUNG, C.G. (1987b) p. 526. Parênteses meus.
[55] - WINCKEL, E.V. (1985) p. 36, nota 20.
[56] - JUNG, C.G., in SILVEIRA, N. da (1981) p. 88.
[57] - SILVEIRA, N. da (1981) p. 89.
[58] - Ibidem, p. 90.
[59] - JUNG, C.G. (1987b) p. 478.
[60] - Ibidem, p. 478.
[61] - SCHWARTZ-SALANT, N.  (1988) p. 243.
[62] - WINCKEL, E.V. (1985) p. 60.
[63] - SILVEIRA, N. da (1981) p. 91.
[64] - PESSOA, F. (1972) p. 365.
[65] - SANFORD, J. A. (1988) p. 88.
[66] - JUNG, C.G. (1982) § 422.
[67] - Ibidem, § 53.
[68] - SILVEIRA, N. da (1981) p. 91.
[69] - JUNG, C.G. (1991) § 36.
[70] - JUNG, C.G. (1982) § 402.
[71] - FADIMAN, J., FRAGER, R. (1986) p. 22. Projeção é “o ato de atribuir a uma outra pessoa, animal ou objeto as qualidades, sentimentos ou intenções que se originam em si próprio [...] é um mecanismo de defesa por meio do qual os aspectos da personalidade de um indivíduo são deslocados de dentro deste para o meio externo. A ameaça é tratada como se fosse uma força externa. A pessoa pode, então, lidar com sentimentos reais, mas sem admitir ou estar consciente do fato de que a idéia ou comportamento temido é dela...”. A psicologia de Jung trata o fenômeno da projeção como uma identificação no objeto externo de um componente psíquico.
[72] - JUNG, C.G. (1982) § 16.
[73] - Ibidem, § 19.
[74] - SILVEIRA, Nise da (1981) p. 91. Ver também JUNG, C.G. (1982) § 64.
[75] - JUNG, C.G. (1982) § 14.
[76] - Ibidem, § 423.
[77] - JUNG, C.G. ((1983) § 132.
[78] - Ibidem, § 247.
[79] - Ibid., § 248 § 243; (1985) § 83.
[80] - JUNG, C.G. (1991) § 36.
[81] - JUNG, CG. (1985) § 195.
[82] - SANFORD, J.A. (1988) p. 64.
[83] - Ibidem, p. 88.
[84] - JUNG, C.G. (1982) §§ 225, 361, 370 e 423; (1985) § 196; (1991) § 37.
[85] - JUNG, C.G. (1985) § 335.
[86] - SANFORD, J. A. (1988) p. 102.
[87] - Ibidem, p. 105.
[88] - JUNG, C.G. (1982) § 264.
[89] - JUNG, C.G. (1985) § 125, nota 65.
[90] - JUNG, C.G. (1982) § 255.
[91] - Ibidem, § 80.
[92] - JUNG, C.G. (1985) § 264.
[93] - Ibidem,. § 129.
[94] - JUNG, C.G. (1982) § 264; (1985) §§, 125, nota 65, 137, 141, 171.
[95] - JUNG, C.G. (1982) §§ 9, 208, 216, 426; (1983) § 276; (1985) §§ 140, 256, 269.; (1986) § 430.
[96] - JUNG, C.G. (1983) § 154; (1985) § 4.
[97] - JUNG, C.G. (1982) § 1.
[98] - JUNG, C.G. (1985) § 175.
[99] - Ibidem, § 141.
[100] - JUNG, C.G. (1991) § 44.
[101] - JUNG et alii (s.d.) p. 161.
[102] - JUNG, C.G. (1982) § 426.
[103] - JUNG, C.G. (1985) § 226.
[104] - JUNG, C.G. (1982) § 2.
[105] - EDINGER, E.F. (1991) p. 9.
[106] - JUNG, C.G. (1982) § 73.
[107] - Ibidem, § 60.
[108] - Ibid., § 64.
[109] - SILVEIRA, N. da (1981) p. 91.
[110] - JUNG, C.G. (1983) § 247.
[111] - JUNG, C.G. (1986) § 617.
[112] - SANFORD, J.A. (1988) p. 39.
[113] - Alguns exemplos no A . T. de que Iahweh é a origem tanto do bem quanto do mal: Am 3,6; Is 45,5-7; Is 56,16; 1SM 18,10.
[114] - SILVEIRA, N. da (1981) p. 151.
[115] - JUNG, C.G. (1982) § 77.
[116] - SANFORD, J.A. (1988) p. 105.
[117] - JUNG, C.G. (1982) § 76.
[118] - HILLMAN, J. (1990) p. 105.