Resenha
Postura corporal, estética emocional e
memória na religiosidade cristã
por OSVALDO
OLAVO ORTIZ SOLERA
Introdução
Nesta resenha será
feito um recorte da dissertação de mestrado de Max Ruben Tavares de Pina Ramos
- Postura corporal, estética emocional e
memória na religiosidade cristã de 2008, onde o autor introduz a
abordagem da “antropologia do cristianismo” partindo das seguintes
considerações:
“A produção antropológica tem correlação
com o processo de conhecimento científico” ( p.4).
A pesquisa etnográfica pode “inventariar um
conjunto de temáticas, que mostram ser pertinentes na compreensão da
transmissão e aprendizagem religiosa” (p.6).
Temática
Para
identificar as causas da expansão, no mundo, de um tipo de religiosidade, o
autor passa a investigar as “posturas corporais” e uma específica “estética
emocional”, na transmissão e aprendizado do cristianismo, no culto evangélico
pentecostal. Além disso, ele pretende desvelar o efeito mnemônico, que penetra
mais profundamente na “memória implícita”. Isso acontece especialmente, nas
experiências ritualísticas, com maior intensidade emocional (p.18). E coloca a
seguinte questão: É defensável falar em termos de uma epidemiologia das
posturas corporais? Sem responder de imediato, o autor inicia a abordagem da
emoção colocando-a no centro da religiosidade.
Recorte
da dissertação
Para
tanto, o autor baseia-se nos “modos de religiosidade” da teoria cognitiva do
antropólogo Harvey Whitehouse (2004) que destaca dois aspectos da intensidade
emocional:
O aspecto referente a uma forte intensidade
emocional observável como predominante no “modo imagético”, no qual a prática
religiosa pode suscitar estados alterados de consciência ou em certos casos
propicia terríveis torturas. Neste “modo de religiosidade” os cultos e
tradições são praticados regionalmente e por pequenos agrupamentos humanos.
A
prática e a transmissão religiosa são feitas por meio de uma ação coletiva
esporádica com certas coreografias, nas quais se destacam evocações de uma
variedade de imagens, símbolos e sons, que provocam uma intensa estimulação das
emoções e sensações. A participação desse intenso estado emocional pode
despertar emoções, que produzem fortes laços de união entre os participantes
atuantes desse pequeno grupo (p.11).
Outro aspecto de menor intensidade emocional é
encontrado no “modo doutrinal” de transmissão nas “religiões oficiais”
dispersas no mundo. Nesse caso,
Whitehouse considera que as emoções são afetadas por um modelo repetitivo,
frequente, rotinizado de culto, acompanhado de complexa teologia. Esse modelo
doutrinal atinge amplas comunidades. (p.12).
Nota-se
a não separação entre a emoção e a razão na prática religiosa, afinal toda
ritualização faz com que se atualize o mito ou o momento histórico/sagrado a
ser relembrado. Todo este processo, que possui início, meio e fim, favorece a
coletividade abrangida e suas crenças. Este vasto campo simbólico é desta forma
mantido vivo pelos adeptos. No caso das religiões do livro, existe uma entrega,
uma submissão ao Deus evocado.
Esta
forma de louvação ou atos de contrição, vai desde o ajoelhar do crente, o levantar
dos braços pedindo bênçãos, chegando até a auto flagelação.
Os
leitores e leitoras interessadas em ampliar essa discussão transferindo-a para
o Brasil poderão encontrar bons argumentos em duas obras:
DEL PRIORE, Mary. Religião e Religiosidade no Brasil Colonial. São Paulo: Ática,
1997. Nesta obra a autora trata da
fusão das normas oficiais ditadas pela igreja católica com as crenças e
práticas populares, que resultou num movimento de recriação cultural com marcas
permanentes na vida do povo brasileiro.
2- GRUZINSKI, Serge. O Pensamento Mestiço. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
Trata-se de uma obra de caráter multidisciplinar lançada na França em 2000. Há
duas citações, entre outras, que podem despertar a curiosidade do leitor: “um
homem distinto é um homem misturado” de Montaigne, e outra “sou um tupi
tangendo um alaúde”, frase dita por Macunaíma, o herói de Mario de Andrade.
Na
abordagem de seu assunto central, postura
corporal e estética emocional, o autor
questiona conforme proposto por Whitehouse: “O que as religiões têm de
fazer ou ser para sobreviverem ou se perpetuarem”? (p.13). E passa a abordar a
oração no âmbito do culto evangélico, no qual, segundo ele, a oração, enquanto
ritual, está além de ser um canal de acesso a Deus, é um desempenho, “que
segundo os fieis, os conduz a uma via transformativa e redentora” (p.29).
O
autor questiona: Será esta condição de elevar o fiel a uma via transformativa e
redentora é o que está produzindo o encantamento religioso e o respectivo crescimento
do cristianismo pentecostal no mundo?
Pode-se
considerar que a proposta teórica do autor concebe que as emoções vivenciadas
nos momentos de oração para conversão e “renovação espiritual”, tornam-se um impulso
que leva à real vivencia espiritual
cristã.
Na
oração comunicacional, o deslocamento num mesmo e preciso momento para a postura corporal de genuflexão acompanhado da estética emocional com a
expressão de contrição são imprescindíveis, pois sem este meio poderoso de
humilhar-se o poder da oração não adquire a força suficiente para que Deus ouça
o suplicante e o “salve” ou “cure”. Também o poder de “transformar o mundo” não
consegue seu efeito.
O
autor percebeu bem esta necessidade e foi além, abordou com clareza a “virtude
cristã axial” – o espírito quebrantado,
em prostração com o afastamento da consciência objetiva, totalmente submissa à
vontade divina na oração comunicacional ou individual. Este espírito subjugado
é antônimo de elevar ou exaltar com louvor, é assim que há um movimento que percorre
o caminho da prostração extrema para a exaltação eufórica, criando nesses dois
momentos um ambiente de alta intensidade emocional.
Este
movimento de reevangelização, que com discursos inflamados privilegia a
transmissão dos ensinamentos baseada no poder da oração, tem introduzido um
novo modelo explicativo, para os acontecimentos mundiais. E vem transformar a
“visão do mundo” tornando-a mais emotiva, em substituição da “visão do mundo”
mais racional.
O
autor, com o intuito de construir um modelo coerente e operativo para o estudo
da religiosidade, com foco na aquisição, transmissão e contexto do conteúdo
religioso lança-se na “antropologia da aprendizagem” e questiona-se “por que é
que certas posturas corporais e estéticas emocionais específicas tiveram mais sucesso e foram mais
contagiosas, mais atrativas que outras, e consequentemente, tiveram uma maior
transmissão?”
Finalização
A
ação transformadora nos ritos que o autor disserta, prende-se ao
"quebranto" do ser perante a divindade, acreditam eles que se
mostrando submissos, alcançam as benesses das mesmas. A forte carga emocional
que existe nestes momentos com certeza alteram o estado de consciência dos
praticantes levando-os a atingirem os objetivos por eles almejados, estas
posturas fazem parte de um conjunto de aspectos emocionais e cognitivos que
levam o "fiel" a um estado de
euforia perante sua fé.
Partindo
da premissa que o signo/símbolo fixa a ideia, a palavra determina e o gestual
atrai, as formas utilizadas em conjunto ou não, com certeza atingem os
objetivos de transmissão dos dirigentes e seus seguidores.
A
palavra diálogo deriva de duas palavras gregas: dia, que significa por meio de, e logos que significa palavra. Portanto, diálogo quer dizer
comunicação/transmissão por meio de palavras, posturas, expressões, atitudes. A
comunicação/transmissão entre seres humanos é reconhecidamente difícil, quem
dirá então com a Divindade[...].
Comunicar-se
ou transmitir não é apenas dizer coisas, mas dizer-se. Ao comunicar partilha-se
alguma coisa. Para realizar a comunicação é preciso entregar-se. É preciso
dizer ao outro quem se é, para que realmente se possa saber quem se está sendo.
A comunicação é o único caminho para a comunhão. Esta entrega testemunhada é o
ápice da submissão ao Deus evocado.
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