Para começo de conversa, precisamos entender que o ser humano é um ser gregário. Ou seja, nós seres humanos necessitamos da companhia de nossos pares para que possamos sobreviver e nos adaptarmos ao meio ambiente. E isso é resultado da nossa condição biológica! Ao nascermos somos muito frágeis e precisamos de cuidados constantes por um longo período de tempo até que possamos caminhar com as próprias pernas. Além disso, o mundo primitivo de nossos antepassados era altamente inóspito do ponto de vista das condições de sobrevivência, logo um ser humano sozinho teria nenhuma chance de sobreviver.
Tal arranjo levou a humanidade a se organizar em grupos para que tivéssemos mais chances de caçar, coletar alimentos e criar nossos filhotes. Já que todas essas atividades eram extremamente perigosas diante dos riscos à vida oferecidos pelos animais selvagens e pelas adversidades climáticas e geográficas do mundo primitivo. Com isso podemos entender que, para o ser humano, a sobrevivência do grupo significaria a sobrevivência do indivíduo. Sendo assim o grupo tornou-se o fundamento da existência humana e qualquer coisa que o colocasse em risco deveria ser entendida como nociva.
Aqui chegamos no ponto em que ocorre uma cisão entre o que seria o bem e o que seria o mal ao nível do imaginário coletivo da humanidade. Se para a sobrevivência humana o grupo era essencial – e o desejo de viver constitui-se num instinto básico da condição humana – tudo àquilo que pudesse colocar o grupo em risco de dissolução, seria naturalmente tido como maléfico. Já que a dissolução do grupo representaria a morte do indivíduo e conseqüentemente a extinção da espécie humana. Por outro lado, tudo aquilo que pudesse fortalecer o grupo seria visto como benéfico, posto que o fortalecimento do grupo implicaria em maiores chances de sobrevivência individual e perpetuação da espécie.
Seguindo esse raciocínio podemos pensar que diferentes grupos coroaram o mal com diferentes atributos. Muito embora todos esses atributos falassem de alguma forma de desobediência, de indisciplina, de rebeldia, de recusa… Ora, se o mal estava intimamente relacionado àquilo que poderia colocar a sobrevivência do grupo em risco, toda atitude que se opusesse às regras do grupo haveria de cair na denominação de mal. Mitos como o de Adão e Eva,Lilith, Lúcifer, Prometeu e Pandora ilustram maravilhosamente esse aspecto do mal associado a desobediência.
O fato dos diferentes grupos humanos enfrentarem diferentes obstáculos para a sua sobrevivência devido a diferenças geográficas, climáticas, etc., fez com que a Mitologia em torno do mal adquirisse contornos muito particulares em cada povo. Se não, vejamos:
Os povos Semitas pré-cristãos fundamentavam sua organização social e econômica em torno do pastoreio. Mesmo quando o contato com a agricultura já havia se firmado, a criação do gado continuou a ser o alicerce da atividade econômica, e da identidade cultural e material, desse povo. Como em geral acontece com os povos de origem pastoril, os Semitas eram pastores nômades que viviam deslocando-se com seus rebanhos de um lugar para outro a fim de trocar e negociar lã, leite, couro, carne e quaisquer outros derivados do seu rebanho, e essa era sua fonte de sobrevivência. Com isto havia constante luta por territórios favoráveis ao pastoreio e rotas para escoamento e troca de produtos. Logo, tudo o que fosse empecilho para obtenção do pasto e para o deslocamento necessário para as negociações haveria de ser visto como mal, porque obviamente colocava a sobrevivência do grupo em risco.
E o que poderia impedir o bom andamento de um grupo como esse? O mitólogo romeno Mírcea Elíade (1907-1986), nos faz pensar sobre essa questão abordando o papel da mulher nessas sociedades pré-cristãs do Oriente Médio. Segundo Elíade, as mulheres nas sociedades Semitas (como na maioria das culturas da antiguidade) eram responsáveis pelo cultivo da terra, pela organização da casa/tenda, pelo preparo dos alimentos e pelos cuidados das crianças e velhos. Adicione-se a isso o fato de serem elas (as mulheres), quem a engravidar, pare, amamenta… Ou seja, para exercer todas essas funções, as mulheres precisavam carregar consigo os filhotes e todas as “tralhas” requeridas para a execução de suas tarefas diárias com a casa e a terra. Para um povo que precisa constantemente estar se deslocando e guerreando por espaço isso é um estorvo!!
É interessante observar que na natureza dificilmente encontramos grupos de animais nômades constituídos por machos e fêmeas adultos que convivem harmonicamente. O nomadismo na natureza é quase sempre caracterizado por grupos animais em que fêmeas e machos adultos vivem em bandos separados, ou em que as fêmeas submetem-se aos machos. É como se de alguma forma as necessidades e características dos dois sexos não pudessem ser harmonizadas de forma igualitária num estilo de vida nômade. Da mesma forma, observa-se que o tratamento dispensado às mulheres nas sociedades humanas nômades, ainda hoje, é consideravelmente mais desigual do que àquele conquistado nas sociedades sedentárias. Haja vista, a condição das mulheres Ciganas, Eskimós e de outros grupos nômades como Thuaregs, etc.
Seguindo o raciocínio de Elíade, fica mais fácil compreender como sociedades nômades produziram Mitos ligados ao Arquétipo do feminino como o de Lilith – mulher parideira que reivindica os mesmos direitos dos homens – ou Eva que, apesar de sua condição de auxiliar idônea de Adão, é curiosa o suficiente para desobedecer as ordens do patriarca. Ou ainda, de como surgiram Mitos como o de Caim e Abel. Em todas as versões desse Mito, Abel que é visto como o bem é pastor. Porém, Caim aparece em duas diferentes atividades dependendo da versão do Mito, as atividades em questão são agricultor e ferreiro!! Tanto a atividade agrícola quanto a de ferreiro exigem assentamento, fixação num mesmo lugar. A atividade de ferreiro em especial, está diretamente ligada a constituição da cidade; e a cidade é por excelência o fim do modo de vida nômade. Em algumas versões do Mito de Caim e Abel, Caim é tido como o fundador da primeira cidade na terra dos homens.
Uma outra origem para os Mitos associados a Imagem Arquetípica do Mal, diz respeito as dificuldades ambientais enfrentadas pelos primeiros grupos humanos. A escuridão da noite que trazia a ameaça de predadores escondidos nas sombras, tempestades violentas, raios e trovões incontroláveis e vulcões em erupção capazes de incendiar, matar e ferir representavam o excesso da força natural que fugia ao domínio da humanidade; e poderia colocar em risco a frágil vida dos primeiros seres humanos sobre a terra. Portanto, as forças indomáveis da natureza poderiam ser associada ao mal, da mesma forma o frio ou calor intenso, que representavam para nossos ancestrais a morte inequívoca e colocava em risco a sobrevivência do grupo e da espécie.
Pensemos então no frio excessivo do norte da Europa; pensemos no Mito nórdico do deus Loki que, miticamente falando, aparece como uma das clássicas representações arquetípicas do Mal. O povo Viking tinha na conquista de “terras” alheias não só a chance de acumular riquezas mas principalmente de permitir a própria sobrevivência, posto que sua organização como um povo associava-se aos valores atribuídos à função de guerreiro. Além do mais qualquer inverno mais rigoroso e prolongado do que o esperado era suficiente para dizimar as chances de sobrevivência dos habitantes da Escandinávia, minando as promessas de semeadura e colheita vindouras e a saúde dos rebanhos. Diante disso, uma das possíveis soluções para a sobrevivência seria a guerra e o saque advindo desta. Não é de espantar que para os Vikings a virtude se encontrasse em valores como: Coragem, Verdade, Honra, Fidelidade, Disciplina, Diligência, Perseverança e Autoconfiança. Todos esses atributos tão valorizados pelos povos Vikings, nada mais são do que elementos necessários para se conduzir um exército vitorioso, afinal é disso que se necessita para entrar numa guerra e sair dela vivendo.
Então o que poderia ameaçar a harmonia de um grupo Viking? A covardia, a traição, a trapaça… elementos que podem colocar uma guerra a perder! E esses são os atributos de Loki, o deus nórdico que alguns gostam de associar a figura do Satã judaico-cristão. No entanto, embora tanto Loki quanto Satã sejam Mitos representativos da Imagem Arquetípica do Mal, eles possuem origens diversas e os atributos que representam são de diferentes ordens. Arquétipos são universais, Mitos não!! Mitos são regionais e falam da história e origem de cada grupo/povo distintamente, e é por isso que um mesmo tema arquetípico pode ter várias representações, pois cada grupo representa o Arquétipo – confere-lhe significado simbólico e o expressa por meio de imagens – de acordo com sua vivência e realidade espaço-temporal.
Contudo, existe uma diferença básica entre a visão mítica do mal para os judaico-cristãos e para os povos pagãos do ocidente – e aqui incluo, Celtas, Vikings, Gregos, etc. – Essa diferença diz respeito ao lugar do mal no universo e na nossa vida. Para os povos pagãos o mal era tão somente uma outra face do processo da vida. Loki, apesar de representar aquilo que os Vikings mais condenavam não foi banido ou punido, muito menos desprezado ou negado. Ao contrário ele era um deus entre outros deuses e suas características eram reconhecidas como estando presentes em nossas vidas e em nós mesmos, tanto é que, muitas vezes, os outros deuses do panteão Viking recorreram a essas mesmas características “condenáveis” de Loki para conseguirem o que queriam. E mais do que isso, Loki era associado ao fogo, elemento do paraíso mítico Viking e fonte de acolhimento para quem vive em terras geladas. Isso revela um aspecto particularmente interessante da visão do “Mal” nas culturas pagãs, que é o entendimento deste como o ponto de equilíbrio necessário para a conquista do “Bem”. O que aponta para um entendimento mais tolerante da pluralidade afetiva da condição humana.
Da mesma forma, Mitos como o do deus grego Dionísio que exemplificam características não muito desejáveis para o convívio em grupo – devemos lembrar que Dionísio enlouquecia as mulheres. Isso não pode ser muito bom para o grupo, não é mesmo?!! – falam de maneiras de lidar com o indesejável como algo que trazemos em nós e que precisa ser enfrentado. A loucura é socialmente entendida como o ápice da recusa, da rebeldia e da desobediência, e do ponto de vista da sobrevivência do grupo nada há na loucura que possa contribuir para sua manutenção. Porém, quando o Mito nos fala da loucura que Dionísio causava às mulheres, ele nos fala da necessidade de confrontarmos aquilo que é indomado em nós, aquilo que é selvagem e que tentamos reprimir. Se não o fazemos por determinação própria lá estará Dionísio para nos forçar a encará-lo e o resultado dessa recusa só pode ser a loucura, o caos.
Como podemos ver nesses breves exemplos, a definição arquetipica do Mal esta intimamente associada aos nossos medos, às nossas dificuldades para atuar na vida e continuar vivendo como um grupo. Acontece que também somos indivíduos, mesmo sendo integrantes de um grupo, e ao reconhecermos e nomearmos aquilo que é mal para o grupo, também o fazemos para nos mesmos como indivíduos. Portanto, o mal do ponto de vista individual também é aquilo que expressa nossos medos, nossas dificuldades para atuar na vida!!!!
Talvez por essa razão o judaísmo-cristão tenha propiciado a cisão total entre o bem e o mal, relegando para sempre o mal aos confins do indesejado, do não dito, do inconsciente. Devemos ter em mente que o cristianismo foi disseminado no ocidente por Roma. Roma era um império militar. Ou seja, Roma era uma nação que tinha como propósito não só sobreviver mas dominar todo o mundo conhecido. Ora, se eu quero dominar a todos eu não posso permitir a possibilidade da desobediência, da rebeldia, da recusa. Para dominar eu necessito que todos sob meu comando acreditem numa só verdade, num só modelo… Para isso eu devo eliminar todo e qualquer vestígio de contestação.
É interessante pensar que muitos povos houveram que conquistaram territórios estrangeiros, que escravizaram povos vencidos e que lutaram pela supremacia muito antes de Roma. Porém, nunca antes na história humana o mundo havia conhecido um império como o Romano, tal sede de conquista e tal poder militar. Talvez, por isso, Roma tenha sido na história humana o melhor exemplo de dominação cultural. Roma não queria somente ganhar o território inimigo, Roma queria transformar o inimigo em romano. E transformar o inimigo em romano significava fortalecer o império e as idéias propagadas pelo império. Nesse contexto não há idéia divergente que possa ser tolerada. Ainda que em seus derradeiros dias de Império efetivo, a Roma Imperial, que grassava no Imaginário ocidental, favoreceu a delimitação das fronteiras cristãs na nova Era (a Idade Média). Assim tudo o mais que não era cristão deveria ser conquistado (dizimado, exterminado). Dessa forma, nada mais natural do que delegar a toda cultura não romana e não cristã a alcunha do Mal; para que então, assim, o bem seja àquilo que a nova Roma – sede da Igreja cristã – eleja como tal.
Bem, se eu divido o mundo em dois, se eu recuso qualquer oposição, tudo que se opõe será mal. E dessa forma o mal foi mandado para o subterrâneo do imaginário humano. A Imagem Arquetípica do mal passa assim a ser representada por toda e qualquer forma de rebeldia, por toda e qualquer tentativa de perturbar a ordem, por todo e qualquer modelo que conteste a lei e aquilo que está estabelecido. Logo, o Mito primordial que representa o mal no Imaginário ocidental não mais se relaciona as limitações do grupo/indivíduo para lidar com a vida, mas se torna a própria representação da contestação ao pensamento judaico-cristão. Assim o mal passa a ser representado pelo Mito de Satã, contado e descrito pelos povos judaico-cristãos, ao mesmo tempo que incorpora elementos das culturas pagãs subjugadas (e/ou miscigenadas) pela cultura da Roma cristianizada.
É fato que, do ponto de vista do desenvolvimento do imaginário coletivo ocidental, as características indesejáveis de nossa condição humana tornaram-se indelevelmente associadas a figura do Diabo judaico-cristão. A luxúria, a arrogância, a ganância, o ódio, o autoritarismo, a violência, a inveja, enfim qualquer sentimento ou comportamento vinculado aos excessos passou a pertencer ao reino das trevas, território em que a Imagem Arquetípica do Mal é representada pela figura de Satã.
Na cultura de povos politeístas as paixões humanas pertenciam a todos os deuses. Ninguém em sã consciência poderia dizer que qualquer deus de um panteão politeísta é totalmente bom, no sentido de que a bondade é aquilo que não destrói ou interfere no caminho de outrem. Todos nós sabemos que os deuses dos povos politeístas são capazes de amar e odiar, de construir e destruir.
Essa distribuição dos sentimentos e comportamentos humanos não desejáveis/agradáveis por vários deuses não dependia do fato de que, apenas, uma única entidade espiritual fosse a portadora do mal. Mesmo havendo deuses como o escandinavo Loki, ou o grego Dionísio – cuja função era concentrar esses aspectos indesejáveis – o fato de todas as divindades serem portadores de sentimentos contraditórios (bons e maus), fazia com que no imaginário humano tais sentimentos não se encontrassem totalmente dissociados.
Por outro lado, numa sociedade monoteísta que cultua um único deus, a organização do bem e do mal ao nível do imaginário tende a polarizar os diferentes aspectos da emoção e do comportamento humano. Se do ponto de vista psicológico nós, querendo ou não, necessitamos lidar com esses aspectos indesejáveis, eles, de alguma forma, precisam ser elaborados no nosso imaginário. Como a figura divina tende a estar originalmente associada à vida, torna-se necessário a existência de uma figura oponente que possa representar tudo aquilo que se opõe à vida; e obviamente a deus. Como visto anteriormente, a disseminação do cristianismo no ocidente estabeleceu uma nova ordem cultural, cujas conseqüências determinaram mudanças em todos os níveis da organização humana. A religião monoteísta, com seu modelo arquetipico polarizador das emoções e do comportamento humano, conferiu aos sentimentos indesajados a alcunha do mal absoluto. Com isso subtraímos de nossa consciência àquilo que não considerávamos adequado ao bem estar individual ou do grupo.
E, psicologicamente falando, aquilo que foi subtraído é a Sombra. A Sombra é tudo aquilo que consideramos feio, destrutivo, maligno, sujo, impuro, desarmônico, selvagem, egoísta, etc., mas que trazemos dentro de nós. Em geral associamos a Sombra a sentimentos e comportamentos negativos, mas podemos suprimir sentimentos e comportamentos considerados positivos se não nos sentimos confortáveis neles. Por não considerá-los adequados para o convívio em grupo tentamos reprimir, negar, destruir. O confronto com a Sombraé o confronto com aquilo que habita em nosso interior mas que preferiríamos que não estivesse lá. Pois esse confronto inevitavelmente nos obriga a despir a máscara social e civilizada que adotamos como nossa personalidade (aPersona), e que usamos para sermos aceitos no grupo e garantir nossa sobrevivência junto a nossa espécie.
Contudo há um fato sobre o Arquétipo que é válido ressaltar. De certa forma nós somos “prisioneiros” da trama em que os arquétipos são tecidos, até que nos conscientizemos disso e vivenciemos suas conseqüências. Por mais que nos esforcemos não é possível “deletar” o papel exercido por um Arquétipo em nosso imaginário, não é possível simplesmente fugir a influência do Arquétipo, não é possível negá-la!!! É por isso que quando tentamos reprimir ou esconder sentimentos e comportamentos não desejáveis eles retornam como Sombra. Ao retornarem como a Sombra esses aspectos indesejáveis costumam causar uma total desestruturação, provocam rupturas, sintomas, doenças e ressentimentos. Isso se dá porque em geral tais aspectos não são trazidos à tona por nossa livre vontade. Há uma tendência de nos “encontrarmos” com eles por meio de uma outra pessoa com quem nos deparamos em nosso caminho. Na verdade eles estão dentro de nós, mas como não conseguimos enfrentá-los os projetamos em outra pessoa. É o outro que nos afronta com aquilo que queremos negar em nós mesmos!!
Por essa razão a Sombra esta intimamente ligada aos processos de Individuaçãoe Iniciação. No processo de Individuação, que é o processo de tornar-se si mesmo, a descoberta e integração daquilo que somos torna-se possível ao confrontarmos a Sombra. Esse confronto ocorre por meios altamente dolorosos que incluem a perda e a destruição da antiga imagem que carregamos como nossa por toda a vida (Persona). Similar a esse processo é a Iniciação mística, descer aos “infernos” faz parte do processo iniciático, deparar-se com o lado obscuro e enfrentá-lo é essencial para a iluminação. Não é a toa que Jung identificou o processo de encontro com a Sombra com o Fogo! O fogo pode iluminar mas pode queimar, ele tanto traz o conforto como a dor. Difícil é “brincar” com o fogo sem se queimar.
Se a Imagem Arquetípica do Mal se nos apresenta como Satã, é porque é esse motivo mítico que coroa o nosso imaginário. É através da figura de Satã que organizamos em nosso imaginário aquilo que é ruim, aquilo que é “mal” – muitas vezes esse “mal” é algo positivo que percebemos como ruim, algo que nos desafia e nos amedronta. Logo, se não conseguimos lidar com isso de forma equilibrada é porque esse mal que projetamos no Mito não esta bem trabalhado dentro de nós mesmos. Esse desequilíbrio permite que a força do Arquétipo nos domine e assim passamos a vivenciar tudo aquilo que atribuímos ao Mito, seja através de pessoas, de sentimentos, de ações ou de idéias que muitas vezes nos parecem “coincidências” do destino.
O fato é que não estarmos em equilíbrio com aquilo que somos, seja de bom ou de mal, nos torna frágeis e vulneráveis. Contudo, é justamente essa vulnerabilidade que nos permite crescer, que nos possibilita viver tanto aIndividuação quanto a Iniciação. Quem não está fragilizado não muda, não se expõe, não erra e portanto não pode aprender. E para ser um Indivíduo em acordo com Si-mesmo, ou um Iniciado, é preciso estar disposto a errar, por mais doloroso que isso possa ser. A separação e a dissolução acompanham tanto o sujeito em processo de Individuação quanto o neófito em processo de Iniciação, pois que não há transformação sem dor. Para que o chumbo vire ouro é preciso fogo intenso, moderado no inicio mas plena chama no final! Ninguém que desce aos infernos retorna o mesmo! Seja Perséfone ou Cristo, Inanna ou Odim, eu ou você… Sinceramente, não creio que seja um mero acaso ilustrativo o fato de que a morada de Satã, o Mito angular do Arquétipo do Mal em nossa sociedade, seja alimentada pelo fogo!!!
*Angelita Viana Corrêa Scárdua é Psicóloga Clínica; Mestre em Psicologia Social pela USP (SP); Especialista em Abordagem Junguiana, em Neurociências e Comportamento e Professora Universitária.
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